MÃOS BOBAS
Ir às lojas Americanas, no centro velho da cidade (já existia o novo?), uma vez por mês, a cada dois meses, sei lá, era um passeio aguardado com sofreguidão. A mãe comprava misto quente e batata frita e umas balas vendidas por quilo. Pra minha irmã caçula. Pra mim, também. Que eu saiba nunca fomos além dos duzentos gramas. Desnecessário explicar.
Como o dinheiro era curto, ela nos pedia um pedacinho do lanche. (Não sabia que mãe tinha vontade depois do parto.) E o recebia com evidente má vontade de nossa parte. Crianças são mesquinhas.
Meus olhos babavam de gula ante aquele mar de confeitos coloridos. Era um alumbramento.
Mas feliz mesmo eu ficava quando a mãe dava sinal verde para comprar uns bonequinhos, dois ou três no máximo, para meu forte apache, tão carente de índios e soldados. Na verdade, meu forte nunca chegou a ser um forte. Quando muito foi um posto avançado do exército americano. Como aquele de “Dança com Lobos”.
Mario Quintana escreveu: “Quem vê um fruto pensa logo em furto”.
Sou humano. Fui criança. Pensei no fruto e no furto.
Certa feita, minha mãe leu meus pensamentos de estrategista militar desavergonhado: “Se pegar um bonequinho e pôr no bolso, nunca mais vai usar estas mãos”. Envergonhado, voltei para meu posto avançado.
Minhas mãos nunca furtaram nada. Mas não posso negar que, na juventude, foram bobas.
Bons tempos em que minhas mãos eram bobas.
Bons tempos em que minha mãe estava sempre prestes a lhes dar umas palmadas. Para que não degenerassem.