A LISTA

Trabalhar a mente, na busca do autoconhecimento, é um importante exercício para o nosso bem estar físico e emocional. Há certos dias em que precisamos reavaliar ideias e redescobrir momentos na memória, muito úteis na percepção das constantes mudanças no nosso eu interior.

Guardo algumas recordações marcantes em uma caixa desde minha adolescência e hoje decidi fazer uma verdadeira caça a tesouros perdidos. Grata surpresa reencontrar a lista de aprovados no vestibular da Universidade Federal de Alagoas de 1992, ano em que passei no curso de medicina. Puxa! Lá se vão 21 anos, que voltaram como num flash mágico.

Lembro perfeitamente daquela manhã de domingo; não apenas pelos efeitos das comemorações na noite anterior, mas principalmente pela sensação de realização e dever cumprido. Os jornais traziam a lista dos aprovados e, com apenas 17 anos, era a primeira vitória que parecia ser exclusivamente minha, eu tinha conquistado. Uma sensação única e tão inebriante quanto as cervejas que tomei na véspera. O meu nome naquela lista era o que realmente chamava atenção, enchia-me de orgulho e motivação.

Como todo adolescente, comecei a fazer conjecturas sobre a lista: seriam todos de Maceió? Quantas meninas bonitas tinham sido aprovadas? Será que o pessoal é legal? Não, eu não conhecia praticamente ninguém naquela lista; talvez, nem a mim mesmo. Era apenas uma lista de nomes que não significavam absolutamente nada naquele momento, mas eu sabia que, em alguns meses, os nomes na lista ganhariam forma, atitudes, importância e marcariam minha vida para sempre. Um ciclo havia se encerrado e outro estava por vir. O que fascinava era estar diante de nomes, apenas nomes, mas que representavam pessoas, cada qual com sua história, que iriam entrar na minha vida, uns mais outros menos, mas todos teriam alguma relação comigo.

Durante o tempo em que esperava o início das aulas, meu pai levou-me para um inédito passeio num bairro mais humilde de Maceió, com o objetivo de mostrar a casa onde ele havia nascido e contar algumas histórias da família. Por fim, quase que visionariamente, coisas de quem conhece o filho que tem, disse-me que minha vitória de dias atrás era fruto sim do meu esforço, mas que esse esforço tinha começado lá, naquele bairro, com meus antepassados e que aonde quer que eu fosse na vida, nunca esquecesse de onde havia saído. Eu finalmente tinha entendido que o resultado de hoje é também fruto da bagagem que trazemos das pessoas que nos ajudaram a perceber nossos valores e que estes podem mudar, dependendo da forma como interagimos em sociedade. Sim, eu estava muito mais ansioso para conhecer aquelas pessoas da lista, queria compartilhar experiências, aprender, ensinar, mas sem distanciar-me muito dos meus valores, isso era quase uma promessa.

Durante o curso, aquela lista parou de fazer sentido, era apenas um pedaço de papel com os nomes dos meus colegas e amigos, que estavam ao meu lado, nos momentos de festa e de dor. Por que prestar atenção em uma lista com os nomes das pessoas das quais desfrutava a presença continuamente? Não, aquela lista não importava mais, merecia até ser rasgada ou jogada num canto de gaveta qualquer. Mas eu não tiro nada da minha caixa, por mais ridícula que a recordação pareça.

Hoje, após quinze anos de formado, casado e morando em Belo Horizonte, onde meus filhos nasceram, reencontrei a minha velha lista; agora, tão inebriante quanto outrora, mais emocionante do que nunca e, marejados, meus olhos percorreram novamente apenas nomes; porém, alguns que representam muito, até um pouco do que sou hoje. Novamente os nomes parecem-me distantes, cada um com sua história recente da qual não faço parte; com certeza uns carregam um pouco de mim, assim como levo um pouco de alguns.

Bom mesmo é ter os amigos por perto, mas quando a vida nos dá prova de que estar junto já não é possível, os mais importantes permanecem na alma, indeléveis, independente da frequência dos reencontros.

Novos horizontes fazem bem, são novos desafios e amigos que marcam nossas vidas. Como cantou o rei, “se sorri ou se chorei, o importante é que emoções eu vivi”... Mas mais importante ainda é ter a percepção de que essas emoções ficaram e continuamente modelam meu eu interior, transformando-me a cada dia. Assim é a vida, idas e vindas, que ficam gravadas em nossos corações. Que venham mais listas! Que minha vida seja essa constante transformação! Mas que eu nunca esqueça de mim, de onde eu vim, para que possa sempre voltar de onde quer que eu possa ter ido.