AS NÁDEGAS DA DEOLINDA
Há certas coisas que a gente fala, mas que não deveria falar. Diz por dizer, porque não tem prosa melhor. Não que elas, as coisas ditas, sejam erradas. Elas são inúteis, isto sim. Ninguém muda ninguém. Eu, por exemplo, não me fio muito nessa história de que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Melhor economizar a água e comprar uma furadeira. Sai mais barato. É mais rápido e, ecologicamente, correto. Não se corre o risco de aporrinhar os outros com a mesma cantilena de sempre.
De nada adianta, por exemplo, você chegar para aquele seu amigo de copo e de cruz, como canta Chico Buarque, e lhe dizer com sabedoria acaciana: “Controle o cigarro, dê um tempo na bebida. Você está tomando demais, fumando muito. Já não tem mais idade pra isso, não. Outra coisa: você está dando muita bandeira. Esse negócio de não tirar os olhos das nádegas da Deolinda vai acabar em tragédia. O marido dela é forte e valentão. E anda armado! E não costuma errar o alvo!”
Não adianta mesmo dizer aquilo tudo para seu amigo, porque ele já sabe que fuma e bebe demais, que beber e fumar demais faz mal à saúde (o ministério da Saúde, pelo visto, só existe pra isso mesmo: para nos alertar), que as nádegas da Deolinda são fantásticas e que, azar dos azares, o marido dela tem gênio de cão raivoso. Ele já sabe de tudo isso. E sabe mais: ele sabe que você também toma umas & outras, fuma sem descontinuar, é fissurado no balançar das ancas da Deolinda. Aliás, vocês se encontram todos os dias, no bar, justamente para jogar conversa fora, tomar uns tragos, admirar as nádegas da Deolinda etc. Ou não?
Também de nada adianta tentar consolar os inconsoláveis com o tradicional “se Deus quiser”. E se Ele não quiser, como é que fica? Só nos resta rezar. E, no caso de vocês, rezar muito. Para que pulmões e fígados suportem o baque. Mas, acima de tudo, para que o marido de Deolinda jamais perceba suas oníricas intenções. Ou que, na pior das hipóteses, erre o alvo.