Gen' da roça

Gen’ da roça

Morar na cidade - conquanto pequetita - dava à gente aquele ar de centralidade. Sobretudo quando aparecia parentela da roça a nos visitar. Esse "nos" é uma apropriação voluntária. As visitas eram feitas mesmo à vovó, nossa vizinha, que vivia rodeada mais de perto de suas quatro filhas solteironas e o filho celibatário que quase não parava em casa. E do outro lado da cerca, mas sempre a saltá-la, nós, que passávamos da meia dúzia e costumávamos chegar na hora do café, que qualquer hora é.

Uns parentes eram mais ou menos regulares, vinham pra ver algum médico, alguns outros episódicos e outros ainda mais raros do que o cometa de Harley. O Januário da Prata, por exemplo, só o vimos por uma vez. Já gente como o Quim-quim de São Gonçalo do Pará, ou o Debrando e tia Conceição - a única filha casada de vovó -, que vinham da Caiana, eram mais palpáveis.

O bom, além da generosidade contida num biscoito de polvilho, ou numa pratada de mingau de milho verde, era ouvir as suas histórias. Tio Debrando, com sua fala arrastada, do fundo da goela, falava muito nas virtudes da pomada Beladona, e em demandas por causa de divisas de terrenos; tia Ção, mais espevitada, na voz e nas sobrancelhas negras e densas, mesmo bem terra-a-terra, comprazia-se em narrar coisas de mais espiritualidade, como os feitiços de um tal de Nico Amâncio; já o Quim-quim era até caladim, mas seu irmão Concesso não deixava por menos, dando mostras de seu entendimento mais largo das cousas, dizendo que havia lido tal ou qual assunto na "Marchete" - e a gente, sem poder palpitar, ria pra dentro, só pra mais pintar o sete.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 06/11/2013
Reeditado em 06/11/2013
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