Perdas
O caráter que todos dizem, é uma questão de tempo, é uma questão de amadurecimento. Os anos passam e você percebe o quão hipócrita é ao julgar que o seu caráter é bom, pois, no decorrer da vida, você, várias vezes, torna-se aquilo que detestava. E, em busca de uma personalidade só sua, em busca da verdade, em busca da perfeição, torna-se um monte de nada. Eu acho que me tornei um monte de nada. Isso aconteceu porque no meio de tantas máscaras que criei na tentativa de agradar e ser aceito, acabei me perdendo. Acho que me deixei lá na minha cidade natal quando o tal do Destino resolveu brincar comigo. É que eu, aos 11 anos, era uma criança tímida, assustada, sem amigos que acabara de chegar ao lugar onde todos já se conheciam e tentei me inventar pra ser agradável aos olhos alheios.
A vida anda e mesmo sabendo que as mudanças fazem parte dela, eu não consigo aceitar completamente. Eu sinto essa saudade, essa nostalgia, essa vontade de voltar pro meu "lar doce lar". Não que eu seja incapaz de viver aonde a vida me joga, eu sou incapaz de me sentir em qualquer lugar que não seja onde nasci. É assim: minha carcaça fica vagando por aí, jogada, sozinha, enquanto minha essência e vitalidade ficam à minha espera naquele quintal em que fui criado. E quando volto pra lá... Ah, que sensação boa! É como se um enorme feixe de luz branca me invadisse, como se eu fosse preenchido por algo que, aparentemente, nunca conhecera.
Mas toda essa incerteza que temos em relação a nós mesmos, é uma coisa com a qual devemos nos acostumar, afinal, somos todos vulneráveis à mudança devido aos fatos que podem ocorrer durante nossa existência e mudar todas as concepções que tínhamos até então. Sim, eu tento me acostumar com essas peripécias da vida, mas às vezes me dói ver que elas me obrigam a deixar tudo pra trás e me reconstruir, rever todas as certezas que tinha e me acostumar com toda a maldade que há no mundo. Dói-me ter que criar novos relacionamentos e –consequentemente- afastar-me dos antigos.
Também me incomoda ver a pessoa que eu mais amo –ou amava, até então- se distanciando de mim. Eu posso vê-lo saindo, posso vê-lo levando o pouco que pegou de mim... Não entendo as pessoas. Não me entendo, muito menos com relação a isso: eu amo intensamente, eu o quero por perto, mas ao mesmo tempo, eu o detesto, quero que suma da minha frente. E quando, aos poucos, vai desaparecendo, eu quero que volte.
Eu quero que volte, mas vou deixando de sentir falta, deixo que vá, deixo que leve as histórias, os bons momentos... E o amor intenso, reprimo-o em um nó que fica preso na minha garganta, que me sufoca e me impede de gritar “VOLTA!”. Volta... Volta, mas volta meu, volta e se entrega a mim, volta e coloca o coração em minhas mãos. Volta e me beija, porque assim o tal amor intenso não fica contido, porque assim eu não te detesto. Volta e me ama, porque assim eu posso te amar. Sem culpa. Sem dor.
Aos poucos a indiferença vai tomando conta de mim. Começo a sentir o vazio que me preenche, percebo o estrago que ele faz à minha mente. Parece-me que o Destino andou pregando outra peça. O tempo andou nos afastando e fazendo com que isso parecesse natural, para que em algum momento, eu me desse conta da perda. Mas esse momento é o “tarde demais”, é o momento em que eu tenho que deixar tudo ir embora e me reconstruir.
Os anos passam, as pessoas mudam. Eu mudo. Eu mudei. Eu que acreditava ser uma pessoa tão imutável, que acreditava que o certo era o que eu era e o errado era o que eu sou, me perdi em meio a tantos eu.