O MÉDICO E A CARIDADE

O MÉDICO

- Doutor, vim pedir sua benevolência!

Segundo o juramento de Hipócrates, o papel do médico é exercer a medicina com ética, compaixão e benevolência frente a seus pacientes.

Pelos idos do ano cinqüenta, na pequena e pacata cidade de Venceslau, residia e exercia a medicina o doutor Mendes. Além de médico competente, e muito respeitado, era bem abonado financeiramente. Católico praticante.

Meu pai, altruísta que era, vicentino, recebia durante a semana a relação dos necessitados, e disponibilizava o sábado e domingo para suas visitas a estas famílias carentes, para distribuir alimentos, conselhos e fazer encaminhamentos.

Naquela época a nossa vida familiar era modesta, sem muitos recursos, mas tínhamos como riqueza o exemplo de generosidade e honestidade praticada pelo nosso bondoso pai. Ele não se intimidava com nada, enfrentava qualquer dificuldade, e quando o negócio era rogar um favor para os desvalidos, lá ia ele, de porta em porta, pedir ajuda para esta ou aquela família.

Um dia, - isto foi ele que me contou - encontrou uma dessas miseráveis família, onde a mulher encontrava-se gravemente enferma, necessitando de auxilio médico urgente. Meu pai, na visita do sábado, ao constatar a gravidade do problema, e as condições miseráveis em que vivia esta pobre mãe e seus cinco filhos pequenos, não teve dúvida, partiu em busca de socorro.

Bateu palmas no portão e um senhor, aparentando 50 anos, tranquilamente veio atender, perguntando:

- Boa tarde! Alguma coisa que eu possa ajudar?

Meu pai, de pronto respondeu.

- Boa tarde! O doutor poderia me acompanhar para atender uma paciente que está passando muito mal?

- Sim, posso sim! e completou

- Chame, por favor, uma charrete!

Enquanto ele entrou para pegar os apetrechos da profissão médica, meu pai providenciou a charrete.

Deu ao charreteiro o endereço.

O ploc, ploc do cavalo, pelas ruas da cidade, com seus peidos frouxos, dava ao ambiente interno da charrete um ar de melancólica ansiedade.

Dr. Mendes olhou, perscrutou, pensou, olhou novamente, fez um ar de preocupação, puxou o receituário e prescreveu o medicamento.

Entregou ao meu pai dizendo:

- Mande aviar imediatamente esta receita, e qualquer coisa me deixe informado.

Os dois retornaram, e já na frente da casa do doutor Mendes, meu pai pergunta:

- Quanto foi a visita?

Não sei exatamente o valor que naquela época ele cobrou de meu pai, mas só sei que ele cobrou 50% a mais, por ter sido uma visita na casa do paciente.

Meu pai embaraçado, completamente desconsertado - não queria, e não esperava aquela resposta - pigarreou, olhou de um lado ao outro, tomou coragem e falou em tom suplicante:

- Mas doutor! e a sua compaixão e benevolência para com os necessitados?

O médico olhou demoradamente para meu pai e respondeu cruelmente:

- Seu Chico, você veio solicitar meus préstimos como médico; Você não veio pedir uma caridade, portanto o que você me deve é este valor.

Meu pai desconcertado, sacou de sua carteira os últimos cruzeiros que tinha; Pagou o médico e o charreteiro, e voltou mais pobre para casa.

Meu pai acabou fazendo uma caridade além de sua posse, e aprendeu com isso a lição; Assim, toda vez que necessitava de um médico, para algum miserável, batia palmas no portão e quando Dr. Mendes aparecia ele perguntava:

- Vim pedir sua benevolência, sua caridade! O doutor poderia me acompanhar para atender um pobre miserável?

Ele olhava para meu pai, sorria satisfeito, pegava seus apetrechos médicos, e lá iam os dois, como grandes amigos, atender um ou outro mais necessitado.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 04/11/2013
Código do texto: T4556782
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