Vizinhos mais disponíveis

Sabrina veio conhecer o quarto que estava para alugar numa quarta-feira à noite. Ela viu, gostou e acertou os detalhes da sua mudança com a D. Lúcia. Tive receio que desistisse no momento em que ouviu meu outro vizinho berrar um grito de gol do Flamengo. Mas insistiu e dali a alguns dias morava ao meu lado. Vinha do interior do Espírito Santo e tinha um objetivo muito definido na vida, que era o de passar num concurso público para o Itamaraty. Inteligência não lhe faltava. Passava os dias estudando e houve um dia que a encontrei esparramando toda a história da humanidade em cima do meu vizinho flamenguista.

Gostava de conversar e isso era o que mais lhe feria em Brasília, que dizia ser uma cidade difícil em que cada um preferia ficar no seu canto. Um dia ouviu que eu também tinha dificuldades com a cidade e me deixou um bilhete embaixo da porta dizendo que podia contar com ela. Não a procurei – acho que também sou uma dessas pessoas que prefere ficar no seu canto. Ela matava a solidão conversando ao telefone com a sua tia, coisa que acontecia com uma frequência admirável, aparentemente várias vezes durante o dia.

Certa vez eu voltava para casa sem saber o que jantar. Deus, que eu não precise comer outra vez aqueles sanduíches naturais do supermercado. Cheguei em casa e, sem saber de nada, Sabrina veio me oferecer dois pedaços da pizza que havia comprado – foi quando concluí que pizza também vem de Deus. Pude retribuir a gentileza num dia em que precisou de um carregador de notebook. Mas não foram muitos os contatos que tivemos além desses.

Sabrina havia-me dito no primeiro dia que a chamasse de Sassá, mas nunca achei intimidade para isso. E nem acharei, considerando que ontem ela foi embora. Colocou tudo o que tinha dentro de um carro, devolveu a sua chave e então partiu – sem se despedir de mim. Mas era só o que faltava querer que ela se despedisse de você, hein, Henrique? Espero que agora ela tenha vizinhos mais disponíveis.