MEDO

         Tempos modernos, tudo mudando rapidamente, parece que o conceito de medo também mudou um pouco. Antes tínhamos medo de almas do outro mundo, de raios e tempestades, da seca do nordeste e das pragas das plantações, de morrer, de doenças, de vaca brava no pasto, de cobras e aranhas, enfim, de perigos, digamos, reais e imediatos. Hoje, parece que não se tem mais medo de nada.
         Pessoas correm de carro a mais de trezentos quilômetros por hora; salta-se de paraquedas com a maior facilidade; escalam-se paredões lisos de prédios e montanhas escarpadas; pula-se em precipícios de cabeça pra baixo com os pés amarrados em elásticos, e outras estripulias que colocam a vida em risco, sem a menor preocupação.
        Todos sabem que o cigarro causa câncer e outras doenças, nos maços vêm estampadas fotos de pessoas com câncer terminal, está escrito que é prejudicial à saúde, mas, quem consegue deixar de fumar? Poucos, com uma extrema força de vontade e outros ajutórios, como adesivos de nicotina, terapias, grupos de apoio e muita pressão dos não fumantes. Um amigo meu disse que conseguiu deixar o vício tomando um remédio que também é receitado para depressão. O importante é que ele nunca mais voltou a fumar.
          Como a maioria agora vive nas cidades, não há o medo das vacas, das pragas, das cobras. Também não se temem mais as doenças, já que a medicina moderna – com suas vacinas, exames preventivos, ultrassom, tomografia computadorizada, ressonância eletrônica magnética, dos implantes e transplantes e com o auxílio da Química Farmacêutica, da Física Nuclear, da Biologia celular, molecular e atômica, exames de DNA, e ainda com as diversas terapias existentes – já consegue curar quase todas elas.
         Por outro lado, surgiram no homem moderno outros medos, antes inimagináveis. Hoje se tem medo de ficar desempregado, de não poder pagar a faculdade dos filhos, ou o plano de saúde, de sair de casa, de traficantes, de policiais, de pedófilos, de balas perdidas, de morar em casas, de assaltos, roubo e sequestros, de atentados terroristas, de bomba atômica, de homem-bomba, das drogas, dos drogados, de acabar a água, de inundações e desabamentos, de acidentes automobilísticos, de tsunamis, do aquecimento global, de inflação, de armas físicas, químicas e biológicas, de ficar impotente, e tantos outros, bem explicáveis e racionais, pois o mundo não anda mesmo para brincadeiras e o jeito é se defender, cada um como pode.
         Mas há também outros tipos de medos mais sutis, digamos psicológicos, que não envolvem riscos à vida ou à integridade física, mas que são tão reais quanto os outros. Só para citar alguns, há o medo, o verdadeiro pavor do envelhecimento, haja vista a sempre crescente indústria de produtos e serviços anti-tempo, que a imaginação humana vai criando a todo vapor, numa corrida frenética e alucinante tentando vencer os “estragos” causados pelo tempo no organismo. Afinal, ninguém quer saber de rugas, celulite, manchas na pele, cabelos brancos, falta de cabelos, e outros sofrimentos parecidos.
         Há também o medo de engordar, de morrer sem ver o filho formado ou sem conhecer a Disney, de não encontrar a alma gêmea e um medo inexplicável de baratas e outros insetos. Esse nem pode ser chamado de medo, é um verdadeiro pânico, as pessoas ficam histéricas, fora de si, sobem em cadeiras e gritam como se estivessem sendo esquartejadas.
          Enfim, a psique humana é bem criativa, em tudo, e não seria nesse quesito que ela se restringiria. Está sempre aumentando a lista de objetos de medo, receio, temor, asco, aversão, e quaisquer outros sofrimentos de que se possam padecer.

 
Primavera Azul
Enviado por Primavera Azul em 02/11/2013
Reeditado em 02/11/2013
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