DE FRENTE COM A VIDA
Neste dia reservado à memória de nosso queridos que já partiram numa conversa com muito deles, onde eu falava e eles escutavam lembrei do tempo que moramos bem em frente ao cemitério de Belém Novo em Porto Alegre, foram dois ou três anos , talvez dos meus quatro aos seis anos, dali eu enfrentei pela primeira vez a escola e assistia todos os dias o por do sol no Guaíba, não há como descrever, simplesmente lindo, enquanto o sol se punha, o cemitério parecia crescer, era o efeitos dos últimos raios. Nas noites enluaradas as lapides tingiam alturas que pareciam o dobro das diurnas. Sobre a morte eu nada sabia, somente que por ela as família traziam seus mais velhos para enterrar a li. Nos finais de tarde passavam os cortejos puxados pelo carro fúnebre. As pessoas eram veladas em suas próprias casas.
Só bem depois, quando dois jovens pescadores se afogaram aprendi que não havia idade para morrer. Não era uma predileção por cemitérios, talvez uma curiosidade intrínseca ao ser humano, nestas noites, as enluaradas espichava-me na ponta dos pés, na janelinha da porta da frente e espiava observando atentamente as lapides túmulos e os pequenos mausoléus, já naquela idade sabia que era algo misterioso, mas não tinha a perfeita ideia do que fosse. Nas noites de tempestades os desafios eram maiores, quando os galhos de salsos chorões chicoteavam o vente como revide ao ataque, produzindo um zunido assustador. Certa noite vimos um ou dois vultos e papai mais cético deduziu que seria fruto de nossa imaginação, mesmo assim a noite foi um terror, pois fui tomado pelo medo. No dia seguinte a notícia, a administração havia sido assaltada. Correram comentários que túmulos tinham sido violados a procura de dentes de ouro.
Aos dezessete anos jurei, com mais 33 cadetes enfrentar a morte, pelo próximo e quatro anos depois renovei o juramento com mais obrigações, estes juramentos eram o certificado de que policiais não tem medo da morte nem de morrer. Os anos foram se passando e a morte estava sempre à espreita, as vezes mais para um do que para o outro e eu ali, escapando das situações que vi e das que não vi.
Trinta e cinco anos depois fui dispensado de enfrentá-la pelo próximo, dali para frente tudo seria comigo, então sai caminhando contra o vento, como se imitasse Alegria, Alegria de Caetano Veloso. No mês passado ela me deu uma foiçada se não me abaixo teria me degolado. As sequelas ainda não sei, mas nessa ela levou a pior, traiçoeira, como todos aqueles que enfrentam os policiais, difícil, mas não vencível.
Não tenho familiaridade com a morte, nem quero ter, morrer é o caminho de todos, mas vamos deixar para a hora aprazada, nada de adiantamento.