Pedrinhas pintadas de branco
Na sexta-feira antes do Dia das Mães, uma mulher – pois não imagino que tenha sido um homem – esteve no cemitério Campo da Esperança na Asa Sul para visitar o túmulo de sua mãe, Maria Solange Peixoto de Souza, que havia falecido em 1992 com apenas 37 anos. Talvez acreditando que apenas um momento de silêncio ou oração não conseguia expressar tudo o que sentia, a mulher pegou um pedaço de pedra ou tijolo e em cima do túmulo bastante simples e quebrado na metade escreveu: “Te amo, mãe”, acrescido do dia em que escrevia.
Ela não conseguiria fazer isso se sua mãe tivesse morrido há pouco tempo, pois os novos mortos não têm túmulo visível, apenas uma pequena placa com o nome e as datas, e o resto é grama por onde se pisa. É verdade que um morto em especial mereceu que seus parentes usassem pedrinhas pintadas de branco para simular um túmulo sob o solo, pedrinhas que também serviram para criar uma cruz e um coração preenchido por flores coloridas.
Sem distinguir um túmulo do outro, as pessoas têm certa dificuldade em encontrar a placa correspondente ao seu morto. Depois de encontrar, a mulher começa a contar as fileiras, para quem sabe achar mais fácil na próxima vez. Coloca um vaso amarelo sob a placa que já tem um vaso rosa e outro branco. “Bem colorido, pai, do jeito que você gosta”. E começa a orar, procurando citar nominalmente todos os mortos da família, deixando claro que também orava por aqueles que não chegou a conhecer e pelas almas que quase não recebem oração.
E são muitas, ao que parece. Em pouco mais de 50 anos, Brasília já tem diversas sepulturas esquecidas, diante das quais não se para mais e nem se coloca um vaso de flor – um vaso de flor bastante simbólico, já que deve ser recolhido ao final do dia, como determina a lei. Numa dessas sepulturas esquecidas e já rachadas, um homem diz ter avistado os sapatos do morto. Assustada, a mulher passa correndo e sem olhar para os lados. Como se fugisse da própria morte.