Contra a escuridão
E Deus disse: Não haja luz! E não houve luz. E como sem luz era impossível trabalhar, viu o homem aqui que ela realmente era uma coisa boa. Caminhei então até o corredor, onde funcionava uma única lâmpada de emergência, e pude ver que de todas as portas do prédio saiam pessoas subitamente inutilizadas pela falta de energia elétrica. Trocamos palavras de mútua compreensão e começamos a nos relacionar, coisa que não tínhamos o hábito de fazer no tempo em que ainda era possível distinguir a luz das trevas.
Depois de nos certificarmos de que a queda havia sido geral, aos poucos começamos a voltar para nossas salas, onde veríamos se ainda era possível fazer algum trabalho, ou recorreríamos à bateria de algum notebook, ou simplesmente esperaríamos até que a luz fosse restabelecida. Da minha parte, apenas sentei em frente à tela escura do computador e comecei a mexer no celular, meu único refúgio contra a escuridão total. Era cedo demais para ir embora. Na parte da tarde eu trabalho sozinho, então não havia nem ao menos com quem conversar. O mais terrível de tudo era que, sem luz, eu também estava incapacitado para ler. Reparei ainda que algumas baratinhas, enganadas pela luz apagada, acharam que já era noite e começaram a sair de seus buracos.
Ironicamente, foi quando uma amiga me mandou pelo celular a crônica “Fundación del fuego”, em que Eduardo Galeano se diz agradecido por “los favores que el fuego nos hizo”, como nos defender do frio, das feras inimigas, cozinhar a comida, iluminar a noite e nos convidar a sentar juntos ao seu lado. É verdade que o fogo já foi mais importante, mas sem ele também não chegaríamos à eletricidade, e sem eletricidade nós não sabemos mais como viver. Ninguém mais trabalha e ninguém mais sai do lugar, já que não estamos dispostos a descer catorze andares pela escada. Entendiado, eu evitava pensar que dali a algum tempo também acabaria a bateria do meu celular – aí sim, haveria trevas sobre a face do abismo.