Touquinha de amor

Eu já vinha admirando aquelas curvas há algum tempo. Aquele cor de verão, vez ou outra me fazia derramar a cerveja fora do copo. Quantas vezes manchei a camisa com molho vermelho porque errei a boca. 
Ela dizia que era descasada. 
Eu sempre sentava perto pra ouvir sua conversa com a amiga. Toda sexta-feira era um olho nos espinhos do bacalhau com batatas e o outro naquela morena.
Sexta passada mudei meus hábitos. 
Tomei uma cachaça. Senti o rosto tremer. Quase perco o fôlego pelo ardume do álcool descendo. 
Quase perco o fôlego por timidez.
Sentei-me ao lado dela. Abri a mala da coragem, saquei todos os predicados que aprendi no colégio e ia descarregar quando ela fitou-me suavemente e perguntou.
Você não gostaria de ir comigo conhecer Campos do Jordão? Está lindo agora em junho, sussurrou com voz de aeroporto.
Meu Deus!!!
Ela cortou páginas e páginas do meu discurso,  fez -me
economizar meio litro da mais treinada saliva.
Não era ainda a hora marcada, e eu já estava lá no portão da casa dela. Banhado, barbeado, cheirando bem como filho de barbeiro. 
Camisa nova ainda com cheiro de loja, cueca de cetim estampado para impressionar.
Mandei lavar o carro, pretinho nos pneus, tanque cheio.
Ela apareceu. Indescritível. Abri a porta, ela sentou-se.
Deu-me um beijo no rosto, senti que éramos íntimos há séculos.
A pousada era linda. Tochas a querosene iluminava o caminho que levava ao quiosque. Uns 10 metros de caminhada, mas pareciam horas de ansiedade.
Eu via acordado, o que só tinha visto nos meus sonhos.
Era ela. A própria. Tudo ali comigo. Tudo meu.
A cama com dossel era um leito celestial. Colchão, endredons, travesseiros, tudo branco. Só as almofadas com detalhes nas cores do fogo. Sentia que estava no céu.
Um anjo do meu lado, e eu me chafurdando nas nuvens. Beija aqui, amassa ali, roça acolá. Ela era mais do que eu supunha. Era carência desenhada em forma de mulher. Sentia que tinha tirado a rolha de um vulcão.
As nossas roupas jogadas longe como folhas secas sopradas pelos ventos do outono.
Sentia-me a própria represa de Itaipu, sentia que ia arrombar as comportas. Sentia que ia inundar o mundo quando ela com voz rouca pediu.
Amor bota a camisinha.
Não hesitei. Amar é viver. Quero viver.
O frio lá fora era glacial. No dossel, um calor equatorial.
Ela vestiu o meu bilau com carinho, sem pressa. 
Aquilo me fazia pacífico.
O calor das mãos dela, a delicadeza, a pressão da camisinha na cabeça dele, talvez o tenha feito crer que fosse touquinha de frio para dormir.
Ele dormiu.
Alias, dormimos os três.
Acordei sábado cedo, sozinho numa pousada, chovia.
Nunca mais voltei naquele restaurante.

Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 18/04/2007
Reeditado em 27/08/2007
Código do texto: T455016
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