O pulo do feijão
Minha lembrança mais remota de inflação tem a ver com o feijão. Tizabel chegou
laincasa com o coração disparado e de sua boca era só um brado:
Luís, Luís, o mundo tá acabano, como é que nós vão fazê: o quilo do fejão passou a
Cr$ 20,00 (tinha pulado de Cr$ 16,00).
E era mesmo um choque. Sem que se pudesse ao menos pensar em substituir o feijão
por gnocchi, pois em matéria de comidas italianas não se conhecia até ali mais que o
talharim e, a própria polenta, ainda era angu para mim. E continua assim.
A nota de 20, a que passava a ser necessária para a compra de um quilo de feijão (do
roxinho) era aquela com a estampa do Marechal Deodoro, meio amarronzada.
Barbudo, o nosso primeiro presidente tinha aquela ar dignificado e bonachão. E agora,
valia um quilo de feijão. A princesa Isabel, que ornava a nota meio arroxeada, e ao
lado de Getúlio, o da nota de dez, era a única não-barbada entre os notáveis, essa
libertadora dos escravos, comprava dois quilos e meio, certinhos, baguinho por
baguinho. Interessante que antes de me tornar alfabetizado, mas já com um gosto
para as notas era a sua efígie a que eu achava a mais formosa entre os homens das
notas, mal sabendo que estava ali uma fêmea muito macha, para a qual até o marido,
o Conde, esconD'Eu.
Mas e o feijão vinte? Papai foi só ouvinte, se não é que disse que podia ser a
entressafra. Ou a SUMOC, que à época era a Superintendência da Moeda e do Crédito
e que estava cada vez mais presente no noticiário do Reporteresso, naquela voz
inconfundível do Eron Domingues, ou na já mais sizuda Voz do Brasil, que quando
entrava no ar, tudo quanto era "radia" tinha que se conectar. Ou em cadeia entrar.
O mundo não acabou, nem o feijão, ao que me consta, baixou. E se mais não subiu,
sumiu, pois em seu lugar pintaram outros, inclusive o pintadinho, que era pra mim, o
mais bonitinho.
O Brasil foi que deixou de figurar na relação dos grandes produtores de feijão, que se
me não engano, achava no Paraná o solo muito bão. Mas sojaponês por aquelas
bandas, e a soja é que a se produzir desanda. Passamos a importar o feijão do México,
que devia ser bem mais barato, mais em conta y más frijol. Irecê, na Bahia, bem pro
sertão surgiu como a nossa capital do feijão. Mas desse Tizabel não comeu não.