QUANDO NOS ELEGEM MUSAS
As musas se tornam belas e quase deusas no arrebatamento dos poetas. E também um pouco feras, um pouco a loba que realiza a vida na plenitude e beleza da sua condição animal. Mas uma animalidade apenas sugerida, nunca vista na fria constatação da sua real condição de bicho.
Ser musa, então, é um prazer efêmero, como são inconstantes as paixões dos poetas.
Ser musa é receber um hálito de beijos sutis e ardentes, um véu de douradas tramas que nos escravizam com ternuras inesperadas.
Os sonhadores são seres que amam a sua própria teia com que vão cercar a escolhida, amam o encontro, o arrebatamento, nunca a pessoa. Amam a ideia, a sua construção do que idealizam como mulher especial, então nós, forjadas em gestações demoradas, mulheres de carne e ossos, jamais conseguiremos ocupar o espaço da musa que nasceu entidade liberta das nossas costelas e nós, com nossos corpos mortais e nossas idiossincrasias, ao contrário de musas que habitam as fantasias, os palácios , as veredas do sonho, nós temos braços e pernas e pisamos o duro chão da realidade e choramos lágrimas com sabor salgado, e nossas mãos muitas vezes têm as marcas do tempo, afinal mulheres envelhecem.
Por isso nós mulheres muitas vezes ficamos um tanto desapontadas com o nosso companheiro que é tão mortal quanto nós, que tem as mesmas deficiências de todos os humanos. Porque ao sermos eleitas as musas de um poeta, também nós passamos a viver com a fantasia dele momentos de fuga e total arrebatamento, talvez um vislumbre de um paraíso, deusas de um Olimpo atávico, talvez apenas vontade de esquecer as agruras da condição de bichos que pensam e tem tantas perguntas sem respostas e se inquietam com este estar no mundo sem um motivo convincente.