Lembrei-me tanto de você

O momento foi feliz, ela não precisaria sequer me contar. Mas era exatamente isso que ela fazia, sentada à minha cama e tomando um copo de suco de laranja. Eu a havia conhecido poucas semanas antes, e aparentemente estávamos ávidos por contato humano. Seguiu-se uma torrente de mensagens de celular nos dias seguintes, mais alguns encontros a sós e em pouco tempo havíamos trocado os primeiros e ainda exagerados eu-te-amos. E naquele dia ela apareceu para me contar de um momento feliz, um momento de que eu não pude participar. Que havia sido feliz eu pude perceber de imediato, tão logo vi o tamanho do seu sorriso – Deus, como são belos aqueles dentes. Mas deixei que contasse e a ouvi com sincero interesse, porque me fazia bem ver os seus olhos brilhando ao contar tudo de bom que havia acontecido.

Eu poderia ter inveja, eu poderia ter ciúmes – e, no entanto, naquela hora eu estava feliz só em ouvi-la contar. E nesse instante ela comentou que, em meio à alegria geral, se lembrou tanto de mim. Do que é capaz um reles e simples advérbio de intensidade? Tanto. Um pouco envaidecido, é verdade, mas profundamente tocado, fiquei imaginando que garota era aquela que conseguia se lembrar tanto de mim mesmo quando tudo ao redor contribuía para que me esquecesse. Eu mesmo consideraria natural que não se lembrasse de mim àquela hora. Fiquei pensativo enquanto ela se levantou e foi lavar o copo que havia usado.

Foi quando tive a impressão de que estava diante de um anjo. Já havia lido sobre eles algumas vezes e, pelo que eu conseguia lembrar, quem eu via agora na cozinha possuía a maior parte das características. Falei isso e ela riu. Julguei que sua risada era uma confissão. Para não constrangê-la por ter descoberto o seu segredo, tentei mudar o assunto. Mas ela ainda quis falar um exagero a meu respeito. Discordei, mas levemente, porque o tempo era de paz, e porque, afinal de contas, naqueles dias eu também havia me lembrado tanto dela.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 30/10/2013
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