Deus Tá Vendo!

Mais um sábado, mais um dia de batente. Só que dessa vez era uma aula particular no Brooklyn que além de prazerosa também bastante lucrativa por isso valia a pena sair do Alto de Pinheiros rumo à Praça da Bandeira tão cedo para pegar a condução que me levaria até a casa do Dr. Olympio. A aula começaria às 8 da manhã e terminaria ao meio-dia. Cansativa? Que nada! Como disse anteriormente: prazerosa. Era um dos momentos da minha semana que mais aguardava! Na verdade, a aula era com os filhos do doutor: quatro jovens entre 15 - 20 anos de idade e sua esposa que depois de muita insistência resolveu se juntar à turma para resgatar o seu inglês que havia colocado no fundo da memória quando teve a sua primeira filha que logo ganhou um irmão e depois mais duas irmãs. A turma era animada, muito criativa e inteligente. Adorava as manhãs de sábado que passava com aquela família que me surpreendia com momentos deliciosos e inusitados como a festa de aniversário dos meus trinta e cinco anos, um pouco antes da nossa aula acabar com direito a brigadeiro, beijinho de coco e bolo todo confeitado pela própria Luíza e filhas. E é claro que não deixaram de fora o "Happy Birthday To You" das irmãs Hill. Inesquecível aquele momento de tanto carinho. 

A única coisa que me frustrava naquele sábado especificamente eram os R$25,00 na minha bolsa por que terça-feira seria feriado, sendo assim segunda seria emendada e euzinha com apenas essa merreca para gastar com os meus filhos. Desci do ônibus e fui até a Estação Anhangabaú. Resolvi descer a escadaria da Ladeira da Memória a pé, não pegar a escada rolante, afinal era sábado e não havia aquela multidão e a escadaria estava recém lavada sem aquele fedor de urina. Era muito bom dar aquela corridinha pelos degraus quase saltitando admirando a beleza daquela velha árvore que abrigava o monumento sob sua folhagem de um verde exuberantemente vivo.

Fui andando e pensando com o meu zíper da blusa até deparar com uma deficiente visual sentada na esquina. Sua caixinha com a mensagem: Ajude-me: Sou cega, estava vazia. Era bem cedo para aquela caixinha estar cheia mas, totalmente vazia? A luz ficou vermelha e a travessia até o terminal ficou impossível, por enquanto. O meu pensamento criou asas e fui junto. Fim de semana prolongado e a moça cega pedindo recursos para sobreviver mais um dia e eu reclamando dos meus miseraveis R$25,00 na bolsa. Muitas vezes o meu coração fala bem mais alto do que o meu cérebro e bom senso ... lá fui eu catar uma nota de cinco reais para colocar na caixinha daquela moça. Pensei duas vezes e resolvi agachar para entregar aquela nota pessoalmente à ela.

- Bom dia moça.
- Hummm ... Sim...Bom dia pra você também.
- Olha, aqui tem cinco reais. Melhor você colocar na sua bolsa ou carteira. Se deixar aqui na caixinha é provável que o vento a leve ou um malandro lhe rouba. Toma aqui.

Coloquei o dinheiro na mão dela e ela respondeu gentilmente:

- Obrigada, viu! Agora vou ter arroz e feijão pro meu almoço amanhã! Meu filho vai ficar muito feliz! Obrigada!

Suas palavras me tocaram tanto que resolvi caçar dez reais espalhados na minha bolsa e colocar aquele troco  em suas mãos dizendo:

- Olha, aqui tem mais dez reais em trocadinho pra você comprar um pouquinho de carne e verduras para fazer um almoço bem gostoso para você e seu filho, ok?

                         

- Não precusava moça. Mesmo assim, Deus lhe abençoe. É muita generosidade da sua parte. Muito obrigada mesmo!

Me restava apenas dez reais para ir até a casa do Dr. Olympio, voltar para casa e passar o fim de semana prolongado com três crianças que queriam passear e se divertir naqueles quatro dias do feriadão. Era mais fácil eu tirar um coelho da cartola do que arranjar uma graninha para passar aquele fim de semana prolongado no fim do mês com as minhas três crianças.

A luz ficou verde e atravessei sorrindo pensando na cara do filho daquela mulher no dia seguinte, mesmo sabendo que os meus filhos não teriam aquele fim de semana nada Brastemp. Mas no fundo, sabia que eles entenderiam e a gente improvisaria a nossa diversão. Com certeza entenderiam o por quê d´eu ser solidária com aquela moça e seu filho, afinal, sempre preguei o bem e como era legal bancar o bom samaritano quando uma oportunidade aparecia. E hoje, foi o meu dia! Obrigado Deus por essa chance.

                      

Cheguei antes das 8:00 na casa do doutor e o encontrei no jardim da frente da casa lendo seu Estadão. Não toquei a campainha mas dei um belo de um bom dia que o fez despertar e tirar seus olhos do jornal.

- Bom dia, Patricia! Vamos entrando!
- Onde está a Luiza? Não quis lhe fazer companhia Dr. Olympio?
- Ocupada na cozinha preparando café. Vamos até lá?
- Vamos sim! Tá um silêncio aqui, né?
- Está mesmo.

E lá fomos nós à cozinha da Luíza.

A dona da casa me cumprimentou como sempre. Era assim todo sábado: três beijinhos e um abraço bem apertado. Ela olhou para seu marido meia sem graça e perguntou:

- Não avisou a Patricia, Olympio?
- Pois é, Luíza. Esqueci!
- Esqueceu o quê Dr. Olympio?, perguntei meia que surpresa.
- As crianças viajaram e a Luíza e eu vamos sair daqui uma hora, sendo assim você está livre para ir para casa Teacher e curtir o seu fim de semana prolongado!
- Pôxa! Se eu soubesse ...
- Me desculpe mas esqueci mesmo. Não se preocupe pois vou incluir a aula de hoje como dada, ok? Porém, foi bom você ter vindo por que vou viajar e ficar duas semanas fora daí já quero acertar as aulas desse mês e do mês que vem. Pode ser?
Novamente pensei comigo mesma: Um bolão! E respondi:

- Se não for causar nenhum transtorno Dr. Olympio, acho que tudo bem.

Que surpresinha mais conveniente! Ou seria mais uma conspiração dos meus anjos zeladores? 

Tomamos um café sem pressa e depois fomos ao escritório do doutor. Ele perguntou se eu queria o valor em 'cash' ou em cheque. Nem precisei pensar duas vezes:

- Pode ser em dinheiro Dr. Olympio.
- Não acha que é muito dinheiro para andar por aí num sábado de feriadão? Que tal meio a meio?
- Ótima idéia! Seguro também.

As contas foram acertadas e saí daquela casa sorrindo à toa! Pensei novamente com o meu zíper da blusa e me perguntei se Deus havia testemunhado a minha boa ação daquela manhã. Uma vozinha lá no fundo respondeu: Claro  que sim!

Mesmo com aquele dinheiro todo, não peguei um táxi. Resolvi tomar o ônibus Brooklyn - Praça da Bandeira. Mas antes de pegar o ônibus pesquei uma ficha na minha bolsa e fiz um telefonema. Liguei para minha Mãe e disse para ela pegar as crianças e me encontrar na Avenida Paulista, na frente do Parque do Trianon. Propus um passeio ao Parque do Trianon, almoço em algum bom restaurante da Paulista e depois a peça de teatro do Sesi. Na certa ela estranhou o convite repentino mas mesmo assim disse que estaria lá em uma hora mais ou menos com as crianças. 

Peguei o ônibus e logo estava na Praça da Bandeira. Desci e fiz o mesmo percurso que havia feito mais cedo. Atravessei a rua e novamente aquela moça com deficiência visual com a sua caixinha vazia pedindo uns trocados. Aquela imagem novamente me tocou e busquei mais duas notas de dez reais, dessa vez estavam cuidadosamente guardadas na minha carteira. Nem cheguei a chamá-la quando ouvi:

- Você de novo moça! Oi!
- Como sabe?
- Seu perfume. Inconfundível.

Ela deu uma risadinha e eu também. Acho que o Passion da Elizabeth Taylor era uma raridade nesses bandos da Bandeira  ;-)

- Sabe, queria lhe deixar mais um dinheirinho para você levar seu filho passear nesse fim de semana, então voltei. Toma aqui.

Agachei junto à ela e coloquei na sua mão os vinte reais. Lhe informei o valor total assim saberia a quantia certa mas ela me garantiu reconhecer todas as notas pois era obrigada a saber para não ser enganada. Ela me questionou o por quê de eu ter voltado depois de já ter dado uma quantia generosa.

Respondi que apenas queria contribuir para o fim de semana dela com o filho pois sabia o quanto era difícil batalhar e manter os filhos bem pertinho da gente. Se eu pudesse dar uma força, por que não?

Ela sorriu e agradeceu. Mesmo sabendo que ela não me enxergava lhe dei o meu mais belo sorriso escancaradamente arreganhado e respondi que o prazer era todo meu pois ela havia me proporcionado uma oportunidade para a pratica da gentileza. Ela sorriu novamente e disse:

- Com certeza Deus está vendo o quanto você foi generosa comigo hoje. Muito obrigada, moça. Deus lhe proteja sempre.

- Amém querida. Amém!

Conspiração divina? Ou conspiração do mundo como a Isabelli, minha aluna, vive dizendo? Sei lá ... Não importa. Naquele momento a minha alma cantava e eu sentia aquela leveza toda ... Momentos assim não tem preço! 

                
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 30/10/2013
Reeditado em 30/10/2013
Código do texto: T4548343
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