UMA PAREDE DE MUITAS CORES
UMA PAREDE DE MUITAS CORES
Foi de espanto, minha primeira reação, quando me deparei com a cidade de São Paulo e, foi no susto que amei São Paulo.
Nos seus quatrocentos e cinqüenta anos e três anos de plenitude, afirmo que, quem não ama essa cidade de repente, não perde por esperar: após alguns dias, perceberá que existem, no mínimo, quatrocentas e cinqüenta e três razões para se apaixonar por São Paulo.
Não há como não se curvar aos encantos dessa super mãe, galinha de pinto, que, sob asas seculares, acolhe caçadores de esperanças que se deslocam de qualquer pontinho incógnito desse gigante que é o Brasil.
E devemos mesmo reverenciar aquela que prontamente recebe os que vêm ou vieram dos quatro ventos do universo. Alguns, fugindo da guerra ou perseguições; outros, que por lá ficaram ou passaram, buscando hoje e ontem, belezas várias, oportunidades redentoras e o burburinho do coração do Brasil que nunca pode parar.
Conhecer essa megalópole, não se resume em apenas admirar-lhe boquiabertos a arquitetura, que flutua entre o passado e o agora, ao desfilamos nossa curiosidade por suas praças históricas, também em busca de amores ocasionais ou da vida plena.
E é essa a mesma cidade, onde poetas, loucos e sonhadores viveram seus sonhos “calientes”, no frio das madrugadas quando, às vezes, se deixaram escravizar a partir de um fugidio amor de uma noite. Até quem sabe, num desenlace, os mesmos emitiram seu grito do Ipiranga, entre as cadeiras coloridas de seus bares, teatros ou cafés.
A conclusão a que se chega é a de que a Paulicéia Desvairada, ou mesmo comedida, é imensurável. Ora cabe certinha num Haicai, ora se acomoda numa Ode, ou se comporta muito bem num improviso de um poeta de rua.
Se o recém chegado é desavisado, existe uma maneira particular de se aportar em São Paulo. Mesmo se o coração estiver apertado, miúdo, ou cheio de felicidade, respire fundo em ambos os casos. Afrouxe os cintos. Solte as amarras. Desça do carro ou do avião, com a alma totalmente desarmada.
É bom que se saiba, antes de tudo, que o gigante é mesmo dócil. Ainda que lhe desagrade num primeiro momento, relaxe. A paixão poderá surgir a qualquer instante, pois você, de cara, terá a seu inteiro dispor, no mínimo, quatrocentos e cinqüenta e três maneiras de enxergar, de chegar, de sentir e de se despedir de São Paulo.
São Paulo e seus quatrocentos e cinqüenta e três anos cabem em qualquer bolso. Há comida de muitos preços, para diversos apetites, bebidas de todo valor, para qualquer dor de cotovelo.
Programações ao ar livre e em praças que exibem improvisações de amor e os mais variados protestos, sem nunca perder a classe.
O mundo que circula em São Paulo expõe olhos orientais e peles morenas, claras, negras, amarelas ocidentais, de bem com a vida.
Encontrei na Sampa de Caetano, a efervescência interessantíssima de Mário e Oswald de Andrade e o sentimento renovador e renovável de sua e da nossa Semana de Arte Moderna de l922, ao lado das cores do “antropófago” de Tarsila, o Abaporu eterno e a modernice perpétua de Niemeyer, uma convivência pacífica numa parede de muitas cores.
O que restou dentro de mim é uma saudade robusta, vigorosa, em dó maior, que oscila entre o cinza claro de sua vista postal e o chumbo férreo de minha alma, arrefecido pela garoa lenta e constante de minhas lembranças.
São Paulo me mostrou ser possível o bem viver e que ser feliz é muito mais, quando se carrega dentro do peito uma comoção de amor para uma vida inteira.