O HOMEM QUE FALAVA DEMAIS

Nós nunca os esperamos, até pensamos que são pessoas sisudas e circunspectas, sem simpatia e sem sorrisos, mas eles vem, surgem e aparecem de chofre, são inesperados e repentinos. Talvez como a chuva. E esse, ao chegar, já foi se debochando com seu jeito "cheguei!" e bonachão. Sorridente de orelha a orelha, bermudão branco caindo-lhe além dos joelhos, camisa de mangas compridas, tênis com meias pela metade das canelas finas e já sem massa muscular suficiente, um tosco boné à la Woody Allen, caminhando com dificuldades, aproximou-se de mim já com a mão direita estendida num cumprimento amistoso, franco e súbito. E falou, apontando para a jovem que me atendia num guichê de produtos regionais do Praia Shopping: "essa mulher é a melhor pessoa do mundo!" Segurava minha mão, olhava para ela e falava, um meio sorriso maroto no rosto. Em seguida, olhou-me as feições, analisou-me e perguntou: "você é chinês, japonês, coreano ou descendente de alguma dessas raças?" E não me deixou responder, pois logo prosseguiu papagaiando: "esse povo oriental é muito inteligente, faz misérias com a imaginação!" Então, num rápido olhar, ele percebeu o cartão de meu site de cordel sobre a bancada e disse, sem pestanejar: "vê, esse é um poeta chinês, ele deve fazer cordel melhor do que qualquer brasileiro, basta ver, estudar rapidamente qualquer coisa para esse povo compreender, conhecer toda a estrutura, aprender e se tornar melhor do que o original. É incrível como eles são espertos e sábios!"

"Meu nome é José Barbosa - afirmou o sujeito já amadurecido anos a fio -, sou do Seridó...ah, não sou poeta mas sei declamar muito bem...escutem essa poesia de Casimiro de Abreu..." E sem esperar para saber se realmente queríamos ouvi-lo declamando, começou, todo cômico e ridículo, a pronunciar de maneira estranha um dos poemas do poeta. Depois, ainda sem permitir-nos responder, falar, participar da conversa, passou de Casimiro de Abreu para Carlos Drummond, de quem declamou "E agora José", aturdindo-nos. Daí, feito um turbilhão, lembrando do cartão do meu site, enveredou pelos caminhos cordel, durante o tempo inteiro citando nomes como Cego Aderaldo e outros que não recordo, além de dizer que sabir de cor e salteado um poema não escrito de um vaqueiro do seu pai, quando ele ainda era menino, que havia "roubado" uma moça e fizera a tal poesia para contar essa estória.

Além de falar ininterruptamente, algo o tornava ainda mais irritante: cada vez que relatava algo, colocava a mão sobre meu braço e se aproximava de mim como se fosse confidenciar algum assunto especial. Eu me afastava, já incomodando, ele tornava a se aproximar de mim, eu me afastava novamente, lá ia ele no meu encalço, de forma que já tínhamos nos afastado quase completamente da bancada da venda de produtos regionais. Eu estava ansioso para sair dali o mais rápido possível. Só que ele persistia nas suas estórias, prosseguia declamando, trazia a lume fatos mofados no baú do tempo e falava, seguia falando e atormentava meus ouvidos. Isso, sorrindo, gesticulando, espalhando perdigotos em derredor e tentando agradar. Sem conseguir, claro e evidente, eu quase saí correndo dali. Dei uma desculpa qualquer, ele voltou a estirar a mão para eu apertar, meu Deus!, e, finalmente, ufa, logrei me afastar de sua presença falastrona. Arre!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 30/10/2013
Código do texto: T4548003
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