- Netos de Pierrot

Não sei escrever sobre aquilo que é difícil explicar. Dessa vez é tudo diferente, se antes eu reclamava que as histórias se repetiam, hoje reclamo porque não entendo o que está acontecendo. Digam que fiquei louca, que perdi a razão e que não sei escolher meus amores. Digam que isso é bobagem, que esquecer é carta marcada e que ele faz isso muito bem. Digam, mas digam muitas vezes, digam até o dia em que eu estiver convencida de que não vale a pena esse querer, de que interpretei os beijos errados e que essa vontade terrível de viver essa loucura com ele não passa de um mal entendido.

Já quis por muito tempo uma coisa e quando teve não queria ter tido? Já quis muito que desse tudo certo e quando deu, pediu que tudo fosse faísca, fogo de palha, excesso de álcool no sangue? Toma aqui meu coração pra você, porque ele tá assim; num misto de felicidade e desespero.

Nasci com essa alma de querer consertar no outro o que não consigo consertar em mim. Nasci com esse desejo de tornar o outro normal e ser a louca da história. Mas ele tem a mesma alma que eu, um pouco mais perdida, confesso, mas provavelmente os traços imperfeitos das nossas personalidades andam praticamente de mãos dadas. Ninguém viu os olhos dele lacrimejando por algo tão só dele, assim como ninguém entende porque choro, às vezes, sem motivo. Deve ser por isso que tenho essa vontade incontrolável de abraçar e deixar que seus olhos descansem do medo.

"Para com isso, ele não serve para você". Digam isso para os meus pés que insistiram que ele é o meu número e que por descuido do destino calçou os pés de outra.

Nasci com a alma de quem quer resgatar do mesmo medo aquele que se perdeu antes de mim, nasci com essa vontade de tomá-lo pelos braços e dizer: Faço parte desse mesmo mundo, vamos pular fora dele comigo. Nasci com a alma errada, não sei separar o que é bom para os outros do que é bom para mim. Bom para mim seria entender que esse querer surgiu em valsa errada, porque mesmo sendo por imaginação e anos, não pertence a minha cama.

Não frequentamos os mesmos lugares, não temos os mesmos amigos, não andamos nos mesmos passos. Seu cotovelo sofre por outro descaso e aqueles olhos de quem quer ganhar o mundo sem esforço só refletem outros olhos assustados. Só sou coadjuvante, aquele pedaço de gente que esbarrou sem querer na história alheia e dedicou algumas horas a quem se recusou a lembrar. E ele ainda tem essa coisa de me ganhar pelo humor desleixado, essa inteligência sem regras ou cartilha. Eu fico aqui, sem saber se me faço lembrança ou se mantenho essa distância de algo que aconteceu e só permaneceu em mim.

"Como você se interessa por alguém que não te lembra?" Não sei, cara. E existe razão nesse coração que só vive de desafetos? Ele chegou, olhou, abraçou e depois me beijou. Fim, sem promessas, declarações ou qualquer motivo para que eu debruçasse os sentimentos que ainda restam no meu peito. Não teve moradia, não marcou passeio e faltou, não teve essa mania insistente do destino de dar e tomar de volta. Ele chegou, mexeu nos meus cabelos, tentou sugar o perfume do meu pescoço e disse algumas baboseiras deliciosas, Fim. Também tem aquela barba que incomoda meus ombros, e tem a mania de falar rápido, e tem aqueles olhos vidrados em cima de mim quando estou falando algo, sabe-se lá procurando o quê, mas também tem as tatuagens no meu lugar favorito, tem as mãos no tamanho ideal e aqueles olhos verdes sossegados. Ele chegou, não falou muito, mas permaneceu a tarde toda procurando em mim algo a mais para elogiar. Fim.

Mas é mal de Pierrot.

Pierrot só chora por quem despreza seu amor, por quem dedica olhos a outro alguém. Pierrot só busca os braços de uma Colombina que deseja outra vida, outra esfera, outro mundo.

É mal de Pierrot rabiscar versos e produzir canções para um coração que se recusa a dar uma chance a um mesmo futuro.

Mas é esse o nosso mal.

Lane Oliveira
Enviado por Lane Oliveira em 28/10/2013
Código do texto: T4545489
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