Com os olhos rasos d’água
Ouço um grito invadindo meu quarto, ecoando dentro de mim, um grande lamento como o de um jardineiro que cultiva a flor, lhe põe na melhor terra do seu jardim (o coração talvez), rega, rega, rega... Cativa e cultiva dia após dia. Faz dela vistosa, como ela é por si só, trazendo sua essência e beleza de sua própria natureza. E não tão de repente assim, surge alguém invadindo o jardim querendo e conseguindo arrancar-lhe a mais bela flor que tanto cultivou. Nem flor, nem pétalas, só lembranças. Lembranças de uma linda flor que surgiu no jardim, se fez crescer a cada dia, cultivada e cativada pelo infeliz jardineiro que agora se lamenta. Com um pranto inacabável, com um urro retumbante de tristeza.
A sua flor enfeita outro jardim agora, que com toda sutileza de si, deixou que uma pétala caísse antes de ir... Não sei se uma pétala de tristeza, pétala de lamento, ou quiçá de compaixão pelo jardineiro. O fato é que independente de quantas flores passaram antes pelo jardim desse pobre cultivador de flores, que independente das flores que possam surgir nesse jardim, haverá no pobre um olhar voltado aos céus e, com os olhos rasos d’água lembrará daquela linda flor, a mais bela deste jardim. Essa flor especial, de beleza sem igual e que fez surgir no coração do jardineiro um sentimento inexplicável, contudo se fez crescer em pouco tempo e de supetão ali estava, vivo, estava não, está, eternizado nas entrelinhas deste e de muitos outros desabafos.
Essa pétala que caiu mostra, além do amor da flor pelo jardineiro, seja qual for a sua forma, que há um vínculo muito forte entre o “cativador”/cultivador para com a criatura, uma bela flor que agora perfuma outro jardim. Uma pétala que é guardada nesse momento e que terá e tem uma grande importância para o pobre que agora chora em silêncio enquanto lembra da primeira pétala surgir dessa flor, que era um botão, um simples botão desabrochando sua primeira pétala, exalando desde então seu perfume, sua essência. Não julgueis nem o invasor do jardim, nem a flor que se vai. O tempo passa e alguém teria de colhê-la... O tempo da colheita chegou e só resta agora que o jardineiro entenda, e que do fundo do seu coração, aquela flor deixe pelo caminho cair outras pétalas, pétalas de afeto, de carinho... Pétalas que façam rolar dos olhos do jardineiro um pranto de alívio, de compreensão...
Que seja uma pétala...
Uma pétala da mais bela flor que esteve nesse jardim...
Uma flor...
Uma pétala...