Crônicas de um esquizofrênico
Há um ano não via o meu pai. E na última vez que visitei a família aqui na Bahia eu tinha uns 7 anos. Hoje tenho 20. Foi muito bom. Meu pai pediu e eu levei alguns quilos de arroz integral.
Fizemos o arroz integral, o feijão e outras comidas colhidas na fazenda no fogão a lenha. Gastávamos pouco dinheiro e realmente consumíamos muito do que colhíamos. A fantasia de ser auto-suficiente estava sempre passando pela minha cabeça. Mas, é claro, meu pai vendia muitos frutos da terra, ingressando assim no sistema capitalista... A melhor forma de sobreviver parece rolar quando se administra ganhos e gastos com sabedoria, com disciplina e, principalmente, com leveza... A mesma leveza que os próprios brotos, os frutos nos ensinam, à medida em que crescem e quando lhes colhemos. “Oi, eu sou a abóbora!” Ter contato com a natureza é receber no corpo todo uma cascata de bem-aventurança, que traz o sentimento de que precisamos de pouco pra viver, e que a natureza, com o trabalho modesto do homem, pode produzir mais do que o suficiente. É uma experiência incrível comer ao lado de um cachorro que também come, e sentir-se apenas mais um animal que precisa da dádiva da natureza para simplesmente continuar sendo uma parte dela mesma.
Mas é trampo também! Teve um dia que o gado passou por cima das plantações, avacalhando uma boa parte do nosso trabalho. Acho que foi nesse mesmo dia que tava chovendo, e que eu discuti com o meu pai na chuva. Ele disse que eu não tava fazendo as coisas direito. Ficamos putos um com o outro, mas logo me irritei, abri a minha alma, virei ela do avesso e deixei a chuva levar a raiva. Acho que meu pai também.
Um dia cozinhamos o arroz que eu trouxe com o feijão da Bahia. Mais uma fantasia: criar algo melhor do que o arroz e o feijão separados, cozinhando-os juntos. Mas as fantasias são divertidas, e o sabor tinha algo distinto do arroz e feijão separados. A variação é uma forma de movimentar as águas de nossa vida, para que não apodreçam. Na roça, é imprescindível fazer variações, senão o tédio te consome. Na cidade, mais ainda, talvez.
Um pouco antes do dia de volta para Belo Horizonte, resolvi dar uma estranha PT: mandei pra dentro uns 20 remédios dos que eu tomo. Fiquei retardado e dormi muito. Sentia uma espécie de modorra aflita, e não me sentia bem com a preguiça como um baiano. Por que fiz isso? Sei lá, posso ter pensado... “já que tenho que tomar remédio, vamos tentar uma onda, né”? Difícil saber ao certo. O interessante é que isso me deixou pensando que eu, sem o remédio, talvez não seja tããão ruim. Minha química natural pode ser um pouco louca às vezes, mas não posso deixar de preservá-la. Não posso tomar um miligrama a mais do que eu realmente preciso. Tenho que manter o equilíbrio. Não posso ter calma demais, lucidez demais, juízo demais! Da Bahia trouxe feijão, e a vontade de colocar mais pimenta na vida.