A MULHER

Vi uma mulher tão redonda, mais tão redonda e rechonchuda como uma bola, que realmente parecia uma bola. Estava só e olhava as vitrines pausadamente, depois saía rolando de forma lenta como uma bola empurrada por uma criança desajeitada. Embora só e despertasse o olhar de todos quantos a enxergavam, não se mostrava preocupada em chamar a atenção, nem aparentava tristeza. Apenas seguia seu caminho, rolando devagar, os braços muito abertos devido a exagerada circunferência de seu corpo, olhos atentos, mas sem gestos, sem atitudes, desprovida de sentimentos. Ela passava com seu jeito roladeira, o povo deitava sobre ela rostos aturdidos e pasmos, alguns a apontavam e sorriam irônicos, outros balançavam a cabeça com ar de pena, uns tantos riam abertamente de seu físico melancia japonesa, contudo para ela nada disso importava, não a importunava ser observada e apontada.

Seu imenso vestido azul, do tamanho de uma cortina avantajada, colado ao corpo-bola, lhe transmitia um ar ainda mais cômico e extravagante. A bolsinha conduzida sem graça pela mão direita, o cabelo comprido e mal penteado, as sandálias descoloridas e sem atrativos, tudo conspirava contra a aparência dela. As coisas nela e sobre ela combinavam, a meu ver, no sentido de torná-la um ser completamente risível. No dedo anelar esquerdo da mulher-bola percebi a aliança vistosa, grossa amarelona, tamanha era sua proporção que parecia gritar para quantos a notavam: "sou redonda, mas sou casada!" Era simplesmente impossível deixar de percebe-la, de por-lhe os olhos em cima ou evitar um comentário qualquer, nem que fosse de condolência. Não rir, então, muito difícil.

Seu rolar de um lado para o outro no shopping, pelas vitrines das lojas, vagarosa, calma e decidida, acordava os circunstantes absorvidos nos pensamentos, fazia as pessoas se virarem surpreendidas, paradas permaneciam algumas olhando, dominando a atenção da maioria. Creio até que ela fazia de propósito sua rolante caminhada, decerto fosse componente do elenco de algum circo recém-chegado. Seria? Talvez. Poderia ser uma turista solitária, o esposo esperando por ela no hotel, quiçá sendo parte dos mais de oitocentos mil habitantes da cidade eua estivesse vendo pela primeira vez, embora o shopping fosse seu espaço de vez em quanto. Tudo isso no campo da especulação, da imaginação, de minhas reflexões. Não sei. Só posso afirmar por testemunho sobre a sua redondeza, seu corpo-bolão, o distraído jeito de rolar de um lado para o outro como as bolas rolam.

Todos riam, todos olhavam e se espantavam vendo a mulher-bola no shopping, somente ela não se apercebia do quanto chamava a atenção de toda aquela gente presente no local. Ou, por certo, não estava nem aí para ninguém. Que a olhassem e criticassem, chamassem-na de redonda, rolha de poço, chupeta de baleia, nada disso lhe importava. Era redonda como uma imensa roda ou um pneu de trator? E daí? Era feliz assim, quem sabe? Era? Não tenho como afirmar essa assertiva enquanto avistava-a rolando feito bola shopping adentro. Sou tão-somente um observador, o cronista das ocasiões, das probabilidades, dos acasos. Como esse da mulher-bola.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 26/10/2013
Reeditado em 28/10/2013
Código do texto: T4543522
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