Bem ao lado das casas
Agora que estamos no horário de verão e o dia demora mais para escurecer, às vezes aproveito para dar uma caminhada depois que chego em casa do trabalho. Caminho nove quadras na Asa Sul na direção de um supermercado. Demoro aproximadamente 45 minutos, mas isso porque me distraio atravessando os caminhos arborizados entre uma quadra e outra. Chego ao meu destino, faço as compras e, como já estou esgotado e ainda carrego sacolas, volto para casa de ônibus.
Não caminho ao lado das grandes avenidas, cheias de barulho e pressa. Aproveito a liberdade das ruas de Brasília e ando no meio dos blocos residenciais. Passo bem ao lado das casas, e a maioria delas me irrita profundamente, porque pouco ou nada tem a ver com uma casa. São esconderijos em que o próprio morador não consegue enxergar a calçada em frente. Nas poucas em que existe algum contato com o mundo externo, não enxergo alma alguma que esteja aproveitando a varanda ou mexendo no jardim. Consigo visualizar algumas salas de estar, e nelas vejo de vez em quando uma televisão ligada ou alguém estirado no sofá. Definitivamente, não há ninguém entusiasmado com a claridade a mais proporcionada pelo horário de verão. Provavelmente chegam cansados do trabalho e tudo o que querem fazer é comer e descansar. Não faz muita diferença para eles morar num lugar cheio de árvores como esse. Eu tenho vontade de chamá-los para fora, mas a verdade é que mal consigo olhar para eles, pois estou certo de estar cometendo uma indiscrição, violando a intimidade que a tanto custo querem preservar.
Em algumas casas vejo gatos solitários e cachorros tristes. Numa espécie de sobrado, vislumbro no segundo andar uma estante antiga repleta de livros. Acho bonito e tenho curiosidade de saber que títulos são aqueles e que tipo de pessoa habita aquele quarto. Ainda estou pensando nisso quando aparece uma senhora disposta a fechar a janela, coisa que de fato fez, mas só após me olhar com ar extremamente desconfiado.