Por um fio

Insônias me embalam pela incapacidade de parar de pensar sobre a vida.

É curiosa a bipolaridade dos meus dias.

De dia, vivo uma realidade em que tudo é possível. No fim dele, vivo outra completamente oposta, repleta de dificuldades e incertezas. É muito difícil comportar mundos tão distintos dentro de uma única pessoa. Sou panela de pressão apitando e saindo fumaça, mas com uma boa válvula de segurança. O assobio no fogo ninguém ouve pois, afinal, já virou banal.

Sinto-me sendo puxada pelos braços em direções opostas o tempo inteiro. De um lado, os sonhos. Do outro, as necessidades básicas. De um lado, o mundo em sua imensidão. Do outro, o mundo em sua injustiça. De um lado, oportunidades. Do outro, falta de recursos. De um lado, a disposição por fazer mais. Do outro, a falta de saúde para chegar lá. De um lado, o bairro dos sonhos. Do outro, o bairro do medo.

Cada vez que atravesso o túnel entre os dois lados, é como se passasse por uma terceira dimensão entre os que são e os que não são.

De um lado, o elitismo. Do outro, a simplicidade.

De um lado, clausuras egoístas. Do outro, violência que bate na porta de casa.

De um lado, investimentos públicos. Do outro, descaso e habilidade para não atropelar um usuário de crack e afins.

De um lado, a falta de noção de coletividade. Do outro, o excesso de força para não esmorecer em uma cidade feita (e vendida, e mostrada) para poucos.