OS QUARTOS SEM PORTA

O casal, as crianças e os visitantes, um amontoado de pessoas numa casinha pequena, mal cuidada e triste, com uma cozinha maltratada, sala onde cadeiras sujas de plástico dividiam espaço com brinquedos e tranqueiras, além de dois quartos simples e esquecidos pelos donos da humilde residência, pois não tinham porta. Apenas o banheiro tinha uma velha porta sanfona que mal fechava o ambiente. Por que os dois quartos não tinham porta, a intimidade dos que ali dormiam exposta a olhos indiscretos, um lugar onde casais se amam e se despem e onde dormem nas posições mais à vontade possível? Não havia qualquer explicação para esse inusitado fato, e o mais interessante é que nem ao menos punham uma cortina, um pedaço de pano ou até mesmo alguns papelões à guisa de porta, tudo com o precípuo intuito de esconder os segredos daquela área privada e pessoal.

Como dormiriam em casinha tão diminuta, onde imperava por todos os recantos a maior e pior bagunça jamais vista antes, os donos da residência, casal com dois filhos, e mais aquela mulher, que era irmã da esposa, que também trazia a filhinha a tiracolo? Estava em jogo a suprema questão dos quartos sem porta. Seria seguro para a cunhada passar várias noites num local passível de ser espionado a qualquer momento do dia, da noite ou da madrugada? Quem conhece o coração alheio? E persistia a pergunta que nunca calava: por que os dois únicos quartos da casinha não tinham porta? fora intencional deixá-los assim livres, sem algo que obstruísse de olhos indiscretos as atividades naturais dos dois lugares? Quiçá o casal não tivesse condições financeiras para colocar porta nos dois quartos?

O caso é que naquela casinha simples e maltratada os dois únicos quartos estavam desprovidos de porta e nada poderia nem teria como mudar essa situação esdrúxula e deveras estranha. Para a cunhada recém-chegada a opção seria, sempre, usar o banheiro em todas as ocasiões, menos para dormir, é óbvio. Então, quando o momento do repouso chegasse, a melhor alternativa, depois de pensar e repensar sobre o assunto, seria, claro, dormir usando roupas normais com as quais passava o dia, ou mudaria por outras - no banheiro, sim -, jamais deitar-se coberta somente com roupas íntimas, mesmo que se cobrisse com um lençol. Pois os movimentos que todos fazemos enquanto dormimos nos expõem, nos desnudam, nos deixam completamente ao deleite de olhares curiosos. E já que a cunhada precisava passar algumas noites naquela casinha cujos quartos não tinham porte, agiria assim, com cautela, não daria a mais ínfima chance aos indiscretos se por acaso houvesse. Mas lá no seu coração ela se perguntava: por que os quartos não tinham portas, nem ao menos um pano, uma cortina surrada, pedaços de papelão para fechar ou tentar fechar a privacidade de quantos precisavam estar repousando neles? Não, ela não tinha resposta para essas questões.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 24/10/2013
Código do texto: T4540559
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