Paradoxos ao observar um cara perfeito
Ele é feito de carne, de osso e de perfeição.
Isso mesmo: perfeição. E isso não é papo de quem acabou de encontrá-lo por aí, bem vestido e cheirosinho em um desses "rolês" da tarde. Não: eu o conheço há muito tempo. E sei observar muito bem seus traços, e seus inúmeros defeitos que o deixam ainda mais perfeito.
Isso é fácil: ele não pode me ver.
Enquanto isso, eu o vejo.
O vejo chegando ao trabalho, com aquele jeito de andar meio despreocupado, sempre adiantado, para ver melhor o caminho e cada detalhe ao seu redor. Agora ele cumprimenta os colegas, rindo com seus olhos estreitos, pequenos... Iluminam o rosto meio infantil, cheio de sardas... Beijos do sol. Mania de colocar as mãos nos bolsos enquanto fala; de franzir o cenho quando ouve música. De bater palmas sem motivo algum.
Sei que esse negócio de "interior belo é o que importa" parece clichê; mas e daí?
Ele é bonito interiormente. E pronto.
Vejo isso quando, é delicado o suficiente para saber ficar em silêncio, quando as palavras só atrapalhariam. Quando apesar de apressado, sabe esperar a hora certa de passar à frente de um casal de idosos.
Seus defeitos como disse; são muitos. Talvez o que mais me irrita é a forma de querer e precisar estar invariavelmente correto. É tão apaixonado por exatas, que talvez calcule milhares de vezes as possibilidades de uma folha cair da árvore quando passa o vento. Ele é tão...
Não, eu não consigo captá-lo e colocá-lo aqui. Mas, isso realmente importa?
Lembro de quando ele passou uma hora discutindo com um colega de turma a possibilidade da determinante de uma matriz ser -6. De quando outra colega quebrou a unha e ele prontamente se ofereceu a arrancá-la. Ou da vez que cometeu uma garfe enquanto lia uma crônica na aula de Língua portuguesa. De quando impediu minha queda na quadra do colégio durante uma partida de futsal. Da forma como cantou em inglês totalmente tímido. E isso faz muito, muito tempo.
Penso por que tento descrevê-lo, captá-lo, mantê-lo sob minha vigilância; se não sou capaz de querê-lo. Talvez por isso, ele não me veja. E se, me visse; eu não o veria mais.
Veria apenas o que meus olhos queriam ver nele. Notaria apenas a quantidade de coisas que temos em comum, o quanto ele é bonitinho em um "rolê" da tarde. No quanto é impaciente ao esperar-me no portão ao me buscar em casa.
Não veria as unhas extremamente curtas; a forma irritante de caçoar os outros vez em quando; o jeito como aponta para as pessoas com os lábios estranhamente. A forma escandalosa como cumprimenta os amigos. A quantidade enorme, quase inimaginável de diferenças e discordâncias entre nós. Eu seria insensível ás raríssimas vezes em que pode me ver; e vejo meu reflexo em seus olhos escuros.
Prefiro vê-lo como ele realmente é: um poço de defeitos, que o tornam humano; palpável. Mesmo que distante e totalmente impossível de ser guardado dentro de mim.
Eu posso vê-lo; mesmo que ele não me veja.
Mas não posso querê-lo; como eu quero.