Somos carentes

Comíamos um bauru perto da universidade em Ponta Grossa, onde havíamos acabado de participar de um congresso de jornalismo. Éramos gente jovem reunida e por isso conversávamos animadamente. Entre uma risada e outra, observei que havia entrado na lanchonete um senhor, também jornalista, a quem conheci justamente durante o congresso. Pediu alguma coisa para comer e sentou-se sozinho. Ele não conhecia meus companheiros de mesa e talvez por isso não tenha se aproximado. Quando houve uma folga na conversa, esgueirei-me até a sua mesa.

Já perto dos 60 anos, era uma figura que chamava a atenção no meio da juventude universitária. Ele aproveitou para me contar dos seus projetos. Disse que gostava de escrever e que estava com dois ótimos livros quase prontos. E já estava para começar um terceiro. O primeiro era praticamente um tratado sobre a integração de pessoas idosas no meio acadêmico. Contou-me o enredo, citou trechos e engrandeceu a sua própria obra. Perguntou o que eu gostava de ler. De improviso, lembrei do velho Machado. “Então você vai gostar do meu livro”, disse. Não perguntei por quê, apenas deixei que continuasse a falar e exagerasse os seus feitos. Talvez fosse uma maneira de compensar a superioridade que enxergava em nós, tão jovens e cheios de energia.

Sobre o segundo livro, não quis dizer o conteúdo. “Esse é segredo. Não posso contar senão a ideia pode vazar”. Disse apenas que era algo extremamente original. Muita gente havia dito que ele iria ficar rico com esse livro. Contou que havia mandado dois artigos interessantíssimos para uma revista científica. “Eles gostaram muito. Os caras já me conhecem, estou sempre mandando artigos. Com certeza vão publicar”. Continuou falando bastante de si enquanto eu o olhava com curiosidade, sem mostrar que não acreditava naquilo que me dizia. Pareceu-me um homem determinado, ainda que lhe falte um tanto de humildade. Sobretudo é um homem carente, talvez tanto quanto eu. Somos todos carentes.