No banheiro

O que encantaria você neste momento? Digo “neste momento” porque os encantamentos mudam à medida em que o tempo passa e a vida vai se mostrando como realmente é, invariavelmente diferente do que queremos ou achamos que ela seja.

De todos os encantos, a singeleza é o que tem me arrebatado. Coisas que, de tão simples, acabam tornando-se esplendorosas diante das espetacularidade das criações do mundo atual. Meu último encantamento se deu na intimidade do banheiro. Aliás, elejo o banheiro como o lugar onde a minha privacidade é mais respeitada e, consequentemente, onde acontecem os maiores fenômenos inspiradores.

Fechada a porta, um banheiro não só garante a você minutos de total onipresença em si mesmo, como mantém protegidos todos os seus pensamentos, impressões e expressões.

Costumo ter grandes sacadas para lidar com a complexidade da vida, na solidão destes pequenos espaços azulejados. É onde consigo aliviar a cólica das emoções negativas digeridas durante o longo dia de convivência compulsória. É para onde corro quando preciso chorar anonimamente ou quando preciso soltar a gargalhada que tive que engolir publicamente.

É permitido suar, fazer caretas, empastar a cara e os cabelos, raspar todos os pelos de qualquer parte do corpo, dentro do banheiro. Praticamente um confessionário sem punição. Ali nada é sacro, nem profano. Não há sentença quando não existem outros olhos para julgar.

Mas não foi com este espirito que entrei naquele cubículo público que me encantou. Entrei unicamente para satisfazer uma das necessidades fisiológicas inerentes a todos os seres humanos: xixi. Até que fechei a porta.

Num primeiro momento, meus olhos achavam não haver nada de novo naquele espaço suprimido. Nada que pudesse sobressaltá-los a ponto de levarem o coração a enxergar também. Porém, passados os primeiros segundos em que me ocupei com as atividades costumeiras de pendurar a bolsa e descer o zíper, mirei a porta fechada, e foi, então, que me encantei.

Fixado na porta, na altura dos olhos de quem ali sentasse, um retângulo de papel branco com bordas cor de rosa exibia um texto falando sobre o mar. Não era exatamente um poema, tampouco um artigo tratando de assuntos litorâneos. Era uma redação simples e profunda ao mesmo tempo, escrita por um homem. A assinatura desvendava o sexo, mas não o autor. Certamente um apaixonado pelo mar que permitiu, brilhantemente, dividir seu sentimento naquele minúsculo compartimento íntimo.

Sei que meu arrebatamento pode parecer exagero ou loucura. Eu mesma me senti abilolada ao me ver refletida no espelho, logo depois do acontecido. Meus olhos latejavam de euforia e a minha boca mantinha-se aberta no desejo de gritar pelo corredor a fora sobre a minha descoberta. E assim eu fiz. Contei a todos que encontrei pelo caminho: Vocês não vão acreditar, tem poesia no banheiro!

Sei que isto não é nenhuma novidade e que existem muitos banheiros cobertos de escritos do chão ao teto. Não foi a novidade que me tocou. Pelo contrário, acontece uma nova descoberta a cada minuto neste mundo, e a maioria nem me faz cocegas. Exatamente a singeleza da atitude foi que me encantou.

Quem me dera poder acreditar num futuro em que possamos compartilhar belas emoções de forma tão arcaica por todo o mundo,inclusive dentro do banheiro.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 24/10/2013
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