O GÊNERO HUMANO


Dona Loucura refletindo atentamente sobre o gênero humano e observando todas as calamidades a que está sujeita a vida dos mortais ficou vivamente comovida e exclamou: Santo Deus! Que é afinal a vida humana? Como é miserável, como é sórdido o nascimento! Como é penosa a educação! A quantos males está exposta a infância! A juventude! Como é grave a velhice! Como é dura a necessidade da morte! Quantos poderiam descrever a infinita série de males que o homem causa ao homem, como sejam a pobreza, a prisão, a infâmia, a desonra, os tormentos, a inveja, as traições, as injúrias, os conflitos, as fraudes?

Há de se indagar à dona Loucura: com camisa de força, como fugir dessa barbárie? Ignorar os fatos, passar a raciocinar em torno das nuvens e de quebra medir pé de pulga e ficar atenta ao zumbido do pernilongo?

Sei não, viu, mas tem dias que a gente se sente, não como o Chico Buarque, quando pensou que havia partido ou morrido, mas sim, como o mesmo espírito crítico de Erasmo de Rotterdam, quando em 1508, escreveu o Elogio da Loucura, que o diz ter feito sem estar inteiramente louco, apenas com o intuito de censurar a vida e os costumes humanos e também para homenagear um grande amigo, que longe estava do conceito da loucura e que se chamava Thomas More, autor de a Utopia, de quem se sabe, que, ao subir ao cadafalso, onde devia perder a cabeça em testemunho da Verdade, com o mesmo ânimo intrépido e tranqüilo, não podendo dar um passo por causa da gota, disse a um dos guardas: “amigo ajuda-me a subir, que ao descer não te darei mais incômodo”.

Por falar em Utopia, segundo relato de Rafael Hitlodeu, lá nessa ilha o homem está unido ao homem de maneira mais íntima e mais forte pelo coração e pela caridade do que pelas palavras e protocolos. Só que é uma pena: o país Utopia não passa de utopia, de um sonho sonhado.
 
 
 
 
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 24/10/2013
Reeditado em 24/10/2013
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