Grafologia

Grafologia

Antes de as conhecer e usar tinha medo das letras e das palavras escritas. Sabia-as capazes de tudo em si mesmas, do amor à raiva ou à denúncia. Um punhado de palavras e a minha Mãe ficava alterada, sorria, acalmava. Umas vezes respondia com a sua caligrafia bem desenhada e guardava, amorosamente, o pedaço de papel, outras vezes maltratava o escrito rasgando-o em fúria ou jogando-o, amachucado, no lixo. Era intrigante. Depois de um arrancar difícil, as letras passaram a ser-me agradáveis e contavam-me tudo o que quisesse saber ou comunicar. Daqui ao amor foi um pulinho e a paixão, que só tardou mais porque eu ainda crescia, chegou, intempestiva, a seguir. Escrevi e li muito. Saciei-me de casos e histórias, comuniquei tudo com elas e só com algumas. Na pintura, cheguei mesmo a usá-las aos pedaços e nem sempre significantes. Admirava-lhes as curvas, o recorte, a facilidade com que me contavam o que vinha oculto quando se empastavam, quando se dobravam para a direita ou para a esquerda, quando, em laços, caprichosas, evoluíam com preguiça e românticas ou quando, à beira de uma crise de nervos, surgiam ríspidas, agressivas, prudentes, deprimidas. Algumas feriam de tão agudas e iradas, outras, misteriosas, diziam muito menos do que era suposto dizer e ficavam, hesitantes, a esconder o sentido das coisas. Algumas faziam como os donos apressados e tornavam-se esticadas, a fingir que o tempo era de ouro. Valia a pena conhecer as que eram grafadas pelos cuidadosos. Redondinhas, lindas, mansas como o meu gato, puras e fiéis às origens, claras. Estas amaram-me sempre, diziam –me tudo mas…tinham poucos mistérios, nenhuma loucura, não eram temperamentais. A sensualidade que tivessem disponível tinha de passar pelo cartório ou pela igreja antes de ser cedida. Por isso, admirando-as embora, escrevi sempre com as outras todas antes de estabilizar nas que me traduzem melhor. Faço o que posso para não suscitar dúvidas e registo-me, grafologicamente falando, como um tipo às direitas.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 23/10/2013
Código do texto: T4538369
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