Escandalosas cigarras
A maior parte da vida nas superquadras de Brasília, ao menos nesta época do ano, está concentrada no tronco das árvores. São as escandalosas cigarras, que aproveitam a época das chuvas para sair dos seus ovos, buscar alguém para acasalar e depois morrer. Neste intervalo promovem uma cantoria que alcança os 80 decibéis. É mais ou menos o volume do canto do sabiás nas madrugadas de São Paulo, com a diferença de que o canto das cigarras é bem menos agradável.
Há inclusive uma diferença no som das cigarras aqui de Brasília e aquelas outras que conheci em Santa Catarina. As de lá cantam num ritmo mais lento, como se tivessem se preparando para a última nota, essa sim bem mais estridente e prolongada, a tal ponto que se pensa realmente que estão se partindo ao meio e morrendo. As daqui cantam num martelar incessante e têm o fôlego de uma pessoa ansiosa. Para elas não existe grand finale. Eventualmente se escuta um som diferente, esse mais próximo de um silvo, com uma nota só, bem mais aguda, terrível de se ouvir. Brasília tem a sua disposição por alguns meses uma vuvuzela natural e incessante.
E pensar que essa gritaria toda é apenas para fazer sexo. É uma obsessão só comparável à dos brasilienses com o concurso público. Como sempre, é apenas o macho que faz estardalhaço, e aparentemente funciona, pois a tática tem sido repetida de geração em geração. Fala-se que existe inclusive superpopulação de cigarras na região do Plano Piloto, o que me faz pensar que pelo menos alguma forma de vida está aproveitando projetos paisagísticos como o de Burle Max.
Em algumas árvores é possível reparar nas cigarras que falharam, aquelas que não conseguiram completar o processo de saída da casca, não souberam como desdobrar completamente as suas asas para se libertar. Não voaram, não cantaram, não reproduziram – mas também não incomodaram ninguém. As outras se divertem acasalando, da mesma maneira que, no fundo, a formiga-homem gostaria de passar o dia.