Em quê Somos Iguais aos Assassinos? 


Quisera eu, ao herdar um beneplácito poder, digno dos santos, anjos e arcanjos, compreender o que se passa no coração humano.

Assisto estarrecido a um massacre no primeiro mundo. Como entender a natureza de um jovem que massacra colegas universitários? Sinto-me menos gente quando testemunho um quadro desses. Gostaria de despertar amanhã e saber que tudo não passou de um sonho mal, fruto de minhas intemperanças habituais. Infelizmente no amanhã enfrentarei novas notícias como aquela.

Gostaria de compreender também como se arremessa dois aviões, apinhados de inocentes, contra edifícios repletos de trabalhadores. E o que dizer dos senhores da guerra que lançam para a morte jovens travestidos em máquinas de matar? Qual a ira que nos aproxima da zanga dos leões? A estes compreendo, porque matam por fome e não trucidam seus iguais. E nós nos matamos por quê?

Na minha retina ainda figura outro quadro estarrecedor: quatro jovens, em um cortejo dantesco, digno da obra da mais alucinada mente, arrastam por 7 km o corpo de uma criança. Por mais que me esforce, por mais que tente, não conseguiria escrever um conto narrando tamanha barbaridade. Em meus delírios ficcionais não alcanço tanto. Tenho pena de minhas personagens e, quando ouso matá-las, busco um motivo externo, casual, acidental ou algo interno, conseqüência da falta de bons hábitos dos seres que criei. Ao narrar casos verídicos, queria ter o poder de mudar o final da história.

Não vingarei como escritor de horrores, não está em minhas veias trucidar, matar e eliminar. Prefiro a ingenuidade do riso, a familiaridade de uma boa conversa, o caminhar sossegado pela multidão.

Queria falar da violência que nos cerca, que nos ronda e nos envolve de maneira leve, mas como descrever o quadro de barbárie sem cair no lugar comum? Eu entendo o crocodilo que arrancou o braço de um cientista, entendo os tubarões que mordem surfistas, mas não compreendo os meus iguais. Iguais em quê?

Recordo que Hilda Hilst escreveu que a cada vez que ouvia a expressão Homo Sapiens escondia-se atrás de uma porta e ria por três horas seguidas. Sinto que não consigo rir como a minha colega; pudera ter agora a dádiva do seu bom-humor. Ao ouvir a mesma expressão o que sinto é vergonha e medo. Vergonha pela história que escreve a minha espécie e medo pelo que me trará o próximo noticiário...