O ÔNIBUS QUE MERGULHOU NO RIO
 
                                                         Ali, na estrada que se dirigia ao rio, quase nenhuma habitação restara. Tudo era quase mato. Ficou assim depois que construíram a ponte no outro lado da cidade. Antes, uma balsa transportava os veículos de um lado ao outro lado do rio. Lembro de ficar olhando a balsa partir, carregada de veículos pequenos, ou, numa carga mais restrita, ônibus que se dirigiam a Santa Cruz do Sul, e, numa viagem pouco imaginada, ainda mais longe: Porto Alegre, a capital, um tipo de Rio de Janeiro, limite instransponível do mundo civilizado. Havia, por certo, um tal de Estados Unidos da América, sempre comentado pela Madre Superiora do Ginásio Nossa Senhora de Medianeira, com origem e sotaque americano do inglês, mas que não tinha lugar nos limites dos mapas geográficos que conseguia imaginar naqueles meus 9 anos de idade.
                                  Num dia de verão, antes de ser construída a ponte, minha irmã, imediatamente mais velha que eu, viajou a Santa Cruz do Sul, para uma excursão com a turma de colegas do Ginásio.
                                  Jogávamos futebol, quando, lá pela metade do segundo tempo, chegou a notícia aterradora. O ônibus, que voltava de Santa Cruz, havia perdido os freios e mergulhado no rio, antes da chegada da balsa.
                                  Desesperado, corri como um fundista pela estrada pedregosa que levava ao rio. Só pensava nela, imaginava jogar-me ao rio para resgatá-la, para trazê-la de volta à margem segura, para assegurar-me que não a perderia.
                                  Quando cheguei no ancoradouro precário, do lado de cá do rio, fui informado que o ônibus que havia afundado era outro. Que o ônibus dela chegaria apenas duas horas depois.
                                  Há dias atrás, minha irmã sofreu uma infecção abdominal e se encontra em tratamento, mergulhada num coma induzido, lutando para sobreviver.
                                  Imagino-me como um fundista numa corrida desesperada para chegar a tempo, mergulhar no coma e resgatá-la viva.
                                  Torço, ardentemente, para que não seja dela o ônibus que mergulhou no rio.

 
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 21/10/2013
Reeditado em 22/10/2013
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