Aquele semáforo não vai fechar

Uma daquelas largas avenidas de Brasília. Paro diante de uma faixa de pedestres e espero que o semáforo feche para os carros. Ao meu lado, várias pessoas também esperam. Algumas mais ansiosas apertam aquele botão-para-fechar-semáforo, que na prática é apenas um botão-para-o-cidadão-achar-que-está-fazendo-algo-para-resolver-o-problema. Ainda continua verde para os carros, que correm ao máximo. Sei que leva quase três minutos até fechar. Distraio-me com o celular. Vejo uns malucos se atirando no meio da rua, tentando atravessar no meio dos carros. Do outro lado do cruzamento, um ônibus fura o sinal e se mete na pista principal. Esse trânsito está cada vez pior, penso. E continuo esperando a minha vez de atravessar a rua. Está demorando, sem dúvida. Súbito, cai a ficha: aquele semáforo não vai fechar. Há algum problema com ele e o resultado disso é que eu vou ter que ficar deste lado da rua eternamente – impossível imaginar que os carros parem para nós. A velocidade mostra muito bem que não estão dispostos a parar.

Tento me acalmar e avalio a situação. Muito bem. O que há deste lado da rua? Um banco. Pelo menos não me faltará dinheiro enquanto eu ficar aqui. O escritório também está deste lado, o que me obriga a trabalhar. E há ainda uma academia. Estou precisando mesmo ganhar alguma massa muscular. Do outro lado da rua, completamente inacessível, o restaurante em que eu pretendia almoçar. Terei que me sustentar apenas com barra de cereal que deixei na minha sala. Enquanto penso nisso tudo, o caos à minha frente aumenta. Já não há mais lei nenhuma, os carros se atravessam uns na frente dos outros, as buzinas soam, batidas terríveis acontecem. Os pedestres, em desespero, tentam atravessar e são atingidos pelos carros, voam longe e caem mortos. Alguns poucos chegam ao outro lado e beijam o chão em agradecimento. Lembro-me de Frogger, aquele jogo do Atari. Com a barriga roncando, respiro fundo e coloco o primeiro pé no asfalto.