Uma das gêmeas

Era uma das gêmeas, mas estava sozinha. Uma gêmea sozinha ainda é uma gêmea? Eu olhava para ela, muito disfarçadamente, tentando identificar qual das duas era ela. Já haviam me ensinado: eu sabia que uma delas tinha as bochechas maiores do que a outra. Isso era muito fácil de identificar quando elas estavam juntas, pois era possível compará-las. Mas ali estava apenas uma delas, e como saberia eu se aquelas eram as bochechas maiores ou menores? Além do mais, não é muito fácil ficar reparando nas bochechas de alguém sem dar na vista. Forçoso é admitir que, embora eu já houvesse conversado até sobre as suas bochechas, nenhuma delas me conhecia. Elas haviam me chamado a atenção por terem aquela rara beleza, feita de inocência e pudor, esforço e submissão, inteligência e humildade.

Fosse por esse ou outro motivo, a verdade é que muito me alegrou vê-la à minha frente na fila do ônibus. Tanto que, quando entramos, tive o cuidado de simular muita naturalidade ao escolher para sentar justamente os dois bancos ao lado daqueles que ela escolhera. Ambos sentamos no banco do corredor. Eu estava carregando uma sacola e não tinha a intenção de tirar um livro da mochila para ler, coisa que costumo fazer, mas a presença da gêmea assim exigia: eu precisava parecer inteligente. Tirei o livro e comecei a ler. Alternava a leitura com olhadelas para o seu lado, e algumas para frente (quando, por acaso ou não, ela olhava para o meu lado). Eu sei que já não estou em idade de ter amores platônicos, mas, que diabo, todo amor é platônico antes de acontecer. Só que eu não estava tão decidido a ponto de forçar uma conversa, e afinal de contas eu logo teria que descer, antes dela. Caminhei então até a porta enquanto hesitava: viro-me para olhá-la ou não viro? Não viro. Mas já da calçada, com o ônibus ainda parado, eu estiquei o pescoço até o banco em que ela estava e encontrei um par de olhos fixos na minha direção.

Bem, a gêmea já sabe que eu existo. Só não sei qual delas.