FECHA A BOCA, FÁTIMA!
Dona Fátima é senhora da mais alta qualidade: mãe prestimosa, esposa dedicada, não reclama nunca da dupla jornada de trabalho. Além disso, é quituteira de mão cheia. Seus salgados são muito apreciados no boteco do Vicente, seu marido, sujeito boa praça, mas que anda, de uns tempos para cá, com os nervos arruinados. Justamente por conta de dona Fátima. Quem diria?
A vida tem dessas coisas. De uma hora para outra, ela, que sempre fora mulher de poucas palavras, desandou a falar, ou melhor, a pregar sem parar. Para Vicente, essa mudança súbita de comportamento se deu a partir do instante em que ela aderiu com entusiasmo estupendo a uma nova seita religiosa. Onde quase nada é permitido, a não ser que favoreça o bispo. Temo pelo futuro do casamento, de quase trinta anos.
“Ela quer salvar o mundo e acabar com meu negócio, com nosso sustento”, esbraveja Vicente. “Vamos viver de quê? De sua pregação contra a uca? Aonde, na minha idade, vou arrumar outra ocupação? Sempre tive boteco, não sei fazer outra coisa na vida!”
Para quem não compreende sua ira, Vicente explica:
-- Basta o sujeito encostar a barriga no balcão, para ela começar arengar: “Vai beber de novo? Não sabe que faz mal à saúde? Já fez a conta de quanto gasta? Aposto que sua mulher não tem dinheiro para comprar um chinelinho.” Se o freguês responde que ela não tem nada com isso, ela manda o freguês beber em outro bar. Se o cidadão pede umas fichas de bilhar, ela desatina de vez: “Credo! Além de beber, joga! E ainda tem que pagar cerveja, porque perde todas as apostas”. Pode uma coisa dessas? Não pode. Ainda mato esse bispo. Ou me desgarro de Fátima.