Timidez
As pessoas chegam até à porta e não entram; se me perguntam a razão, digo ser timidez, tese que adotei de maneira leviana, mas sentindo que se adaptava bem a esse tipo de comportamento. Os que me cercam dão explicações as mais sábias ou disparatadas, querendo comprovar exatamente o que não entendem! Reparem no Metrô, quando não está muito cheio - as pessoas vão ocupando os bancos de dois lugares, cada uma em um banco, só sentando próximas quando não há mais lugar. O mais correto seria sentarem-se aos pares, iniciarem uma longa conversação, contando as próprias mazelas, falando mal do governo, falando do calor e da chuva que se avizinha, demonstrando grande fluência e, por que não dizer, grande cultura sobre o nada! A proximidade incomoda, é licenciosa, pegajosa; o contato físico estranho dá uma sensação de constrangimento. Algumas vezes, as pessoas se aproximam do lugar vago e pedem licença para sentar; é necessário mostrar educação esmerada, mesmo que depois de acomodada, passem a tossir, espirrar, colocar o dedo no nariz, cortar unhas com os dentes, ou simplesmente, dormir em cima de um livro de auto-ajuda. Muitas vezes, o parceiro do lado apenas grunhe de maneira ininteligível, querendo dizer, senta e para de aporrinhar. Existem dias especiais, como os dias de chuva, em que se tem de agüentar um guarda-chuva molhado encostando na perna.Na época em que freqüentávamos os bailes, desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, havia um momento de grande tensão - a hora de abrir o baile; pouca gente se aventurava a dançar, pois, o salão, ainda vazio, dava-nos uma sensação de desamparo. Quebrar a timidez e sair dançando era um verdadeiro ato de heroísmo; as mãos ficavam úmidas de suor. Eu costumava enfrentar as situações de insegurança, apresentando-me sempre para ser o primeiro - Se num exame oral, pedia para ser o primeiro a ser examinado, para demonstrar a coragem que não possuía; se num baile, antes da orquestra começar a tocar, eu já dançava, sozinho no meio do salão, mostrando mil aptidões que insistia em ter, iludindo-me a cada dia, até que descobri, felizmente muito tarde, que não tinha talento. Toda vez que eu me aproximava de uma porta, eu a abria e entrava, mesmo que fosse para concluir que não tinha nada a fazer ali; era apenas o ato de romper a barreira e entrar, uma das rogimanias.