A dúvida do papa

 
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Por dentro, ele era um iluminista, obcecado por novas ideias, por uma nova visão do mundo. Por fora, um fervoroso homem da religião, crente em Deus e apegado à tradição da Igreja. Sofria muito com a dualidade. Seu cérebro se fundia em conflito, em desespero.
Se isso não fosse suficiente, se já não bastasse toda essa tortura, ele foi escolhido para Sumo Pontífice. A grandeza do posto, a importância da situação, por um tempo curto, o imunizaram das dúvidas cruéis sobre a própria fé. Sua esperança de clarear suas incertezas  teológicas e outras mais, agora se baseava no fato de que teria acesso a documentos aos quais antes não tinha. Documentos secretos do Vaticano. Que mistérios haveria lá?
Assim que o turbilhão da posse passou, mergulhou em todos os papéis por tantos séculos guardados. Estudou, estudou.  Aprendeu coisas importantes sobre a tradição religiosa, sobre tudo aquilo em que se baseava sua crença. Entretanto, o novo conhecimento, ao invés de aumentar sua fé, abriu ainda questões mais dolorosas. Se ele não fosse o papa, certamente teria abandonado sua religião. Mas não podia. Ele era a autoridade máxima.
Foi por isso que, assim que se abriram as portas que davam para a sacada além da qual o esperava uma plateia enorme, um povo fiel  e sequioso, ele avançou, resoluto, e fez o sermão mais fervoroso, mais animado e mais inspirado de sua vida.

 Afinal de contas, ele era o papa.