Viver tecnicamente
 
       

     Diante das dificuldades do relacionamento humano, meu amigo Jorge Henrique me dizia que só falava o trivial com seus familiares. Estávamos no final da década de 50, no Rio de Janeiro. Eu, adolescente, com certa ingenuidade, tomava pela primeira vez conhecimento da palavra trivial. Achei notável, falar só o terra-a terra, aquilo sabido por todos, evitando qualquer intragável polêmica. Estudando em Copacabana, comecei a tomar conhecimento da ética de Copacabana. Eu que cresci com a ética de Vila do interior.

                        Meu amigo Jorjão havia acabado de passar no dificílimo Concurso do Itamaraty.  Logo seria um diplomata. Mas quis o absurdo destino matá-lo em um desastre de carro, interrompendo o que seria uma carreira brilhante do meu amigo do peito.
                        Este fato, logo no fim da minha adolescência e começo da mocidade parece que condicionou muito o meu modo de ver o mundo. Na época, tornei-me existencialista, vendo a vida como um absurdo total, completamente irracional.  Bons, morrendo, e maus vivendo otimamente bem. E naquele tempo ainda tínhamos uma ética mais ou menos consistente e o mundo parecia ter um chão sólido, onde poderíamos ainda pisar. Mesmo com a ética de Copacabana, que começava a bagunçar minha ética de Vila, dava, pelo menos, eu pensava assim, dava pelo menos pra viver. Dizem que São Tomás de Aquino chorava ao ver e sentir o mistério e as incongruências do mundo.
                        Depois veio a ética da Barra da Tijuca e o nosso chão começou a virar um pântano. Não quero aqui nem lembrar a total falta de ética no nível internacional, no nível dos países. Neste nível só prevalece o interesse, nada de amizades. Essa foi a primeira aula que recebi em Direito Internacional. 
                        Os amigos leitores a essa altura já deverão estar indagando: - “Afinal, que crônica maluca é essa, onde esse cara quer chegar? Vou dizer, amigos, vou dizer!  É que eu fico tão aturdido com este mundo louco, de difícil interpretação, que não consigo nem chorar com o São Tomás de Aquino. Não choro, mas perco muito a esperança de dias melhores e me vejo na contingência de confessar que estou numa fase de viver apenas tecnicamente. Nem as filosofias orientais se sustentam mais neste mundo pantanoso. Duvido que um monge tibetano ainda consiga ter a harmonia do "tao", afundando neste pântano e convivendo com os fundamentalistas de todas as raças.
                       Quer dizer, não consigo mais vislumbrar um bom caminho social, vivo apenas o lado técnico da vida. Vou dar um exemplo: entro num restaurante, sorrio para o garçom, peço o meu prato, como, pago e vou-me embora. Chego em casa e converso o trivial. Nada mais. O social, a intimidade, a autenticidade, desapareceram da vida.
                        Entendem?  Isto é que é viver tecnicamente no mundo de hoje. 



                   Nota:  Há muita verdade no que foi dito, mas esta crônica tem o sabor amargo do meu quase-domingo, como os amigos mais próximos já sabem.