A FLOR E O ASFALTO
Dorivaldo é o nome dele. Não, não é um traficante, estuprador, político corrupto ou assaltante que põe fogo na vítima e mata criança indefesa. Nada disso que está em voga no mundo competitivo do crime. Dorivaldo Porfírio de Lima é, simplesmente, o pai de um ladrão que, junto com o comparsa, assaltou uma farmácia e um posto de combustível no interior de São Paulo, ambos presos no dia seguinte ao fato.
Envergonhado com a façanha do filho e acreditando na recuperação dele, Dorivaldo – ajudante de pedreiro - surpreendeu as vítimas (e o próprio delegado que cuida do caso) ao procurá-las, espontaneamente, com o intuito de ressarcir o prejuízo. O gesto “assustou” principalmente o dono da farmácia que, sensibilizado e aplicando a justiça de Salomão, aceitou apenas a metade do pagamento, considerando que o roubo foi praticado por dois ladrões. A outra vítima parcelou a dívida moral em dez prestações de R$90,00, mediante a assinatura de notas promissórias.
Tudo isso no mesmo dia em que o Ministério do Desenvolvimento Social, cruzando dados com o TSE, identificou 2.168 políticos que continuaram recebendo o Bolsa Família depois de eleitos para prefeituras e câmaras municipais, contrariando a Lei 10.836/2004.
E aí eu pergunto: qual é o exemplo mais forte? Eu fico com o primeiro, exatamente pelo seu ineditismo, sua inferioridade numérica (um contra dois mil), pela sua mensagem e insistência em lembrar que a honestidade ainda não foi banida deste país, não virou piada de salão. Dorivaldo é um sujeito teimoso, cabeçudo, um espécime raro, pertencente a uma estirpe (não vou dizer em extinção, mas rarefeita) de brasileiros que devolvem troco e objetos que não lhes pertencem. Sim, eles ainda existem. Meus pais me ensinaram isso, sem nunca terem lido William Shakespeare: “Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade.”
Dorivaldo é um dos trezentos espartanos que, no desfiladeiro das Termópilas, resistiram bravamente à invasão dos milhares de soldados persas. Ao final os espartanos caíram, vencidos pela traição de um compatriota, mas você, Dorivaldo, apesar da rasteira de seu filho, você não cai porque, tal como o José de Carlos Drummond, “você é duro”. Você é um pedreiro que constrói edifícios éticos. Ou melhor, você é aquela flor que nasceu na rua, na visão do poeta itabirano:
“Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”