Um cheiro de vaca que vem do mangue

UM CHEIRO DE VACA QUE VEM DO MANGUE

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 16.10.13)

Que fique bem claro desde o início, pois não tolero ambiguidades: o que vem do mangue não é a vaca (que, aliás, continua por lá, na pacífica companhia de éguas, bois, cavalos, outras vacas, aves de quintal e mais bichos domesticados), mas o seu cheiro; quer dizer, o cheiro dela, da vaca, não o seu, aí, bem longe do mangue. A vaca, pois, está no mangue, embora, no caso, não tenha ido para o brejo. Nós é que, vez por outra, vamos para o brejo ou damos com os burros n'água. Coisas de uma natureza animal, talvez. Registre-se, a bem da verdade, que não escrevi "coisas de uma natureza, animal", o que teria conotação absolutamente diversa daquilo que efetivamente quis dizer.

Como é árduo escrever com precisão, amáveis criaturas!

Posta a vaca no mangue, e lá deixada por tempo suficiente, ela lá fará tudo o que faz qualquer vaca durante as sonolentas horas do seu dia: comerá, ruminará, caminhará sem pressa, espantará moscas e insetos que habitam as regiões pantanosas à beira do mar, olhará coisas sem foco (sem foco os olhos da vaca, não as coisas por eles, olhos vacuns, olhadas - os bois farão tudo isso, quase exatamente igual às vacas, porém com olhos bovinos) e, claro - vaca também é gente -, obrará suas incontroláveis necessidades fisiológicas. Sendo um animal, de tais necessidades se libertará ao ar livre, sem o menor pudor. De vez em quando vejo animais com camisas de time de futebol fazendo o mesmo despudoradamente.

Mas às vacas, que são o objeto da nossa presente análise: ao assim procederem, elas liberam um odor penetrante e característico. Trata-se do cheiro de bosta de vaca, e é justo esse que se desprende de um certo mangue e toma a avenida ao lado. No início era uma vaquinha aqui, um boizinho ali, mas agora a fazendola vai assumindo contornos nítidos: há um portão rústico, de madeira tosca, sem cerca, mais além um pedaço de cerca de tímidos mourões, sem portão, há baldes, cochos com ração, vasilhames de plástico branco, gente esquiva tratando o gado, uns cães de guarda, uma discreta cobertura contra as intempéries. O sítio avança sobre o mangue valendo-se dos depósitos de terra que as dragas que limpam os córregos locais periodicamente acumulam às suas margens, gerando plataformas cada vez maiores e mais secas onde o gado pasta imperturbável.

Daí o cheiro de vaca que hoje vem do mangue. Daqui a uns poucos anos alguém dirá que aquilo há muito já era uma fazenda, publicará nos jornais uma foto aérea datada, de página dupla em cromo brilhante, provando essa "verdade", o que justificará plantar ali uma revenda de carros e, depois, um "shopping center" pleno de grifes, coca-colas e hambúrgueres.

Não posso aqui dar nomes aos bois, isto é, dizer que manguezal, que fazendola, que "shopping" e que investidores são esses porque alguém poderá alegar judicialmente que estou esboçando uma biografia não autorizada e as consequências serão desastrosas (mas apenas para mim, não para os leitores nem para as vacas que produzem seu odor animal).

Aliás, tal odor em muito se parece ao cheiro que emana das ideias defendidas pelo grupo Procure Saber, que batalha abertamente contra o exercício de cidadania que são as biografias de figuras públicas, grupo em que, lamentavelmente, dissolvem suas brilhantes histórias os músicos Caetano Veloso, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Djavan. Não é o caso de Roberto Carlos: este, faz tempo, já escancarara sua intolerância obscurantista.

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Após os fatos narrados abaixo, quebrou no dia 28.09, sábado, o meu antigo computador portátil, onde mantinha cópia de parte dos meus arquivos. A máquina continua quebrada e apenas no dia 07.10, segunda-feira, consegui recuperar parcialmente meu material de trabalho, arquivos inclusive, em um novo portátil. No dia 04.10, técnicos da banda larga trocaram conectores, pontas de cabos telefônicos, modem e roteador que deixavam minha internet virtualmente inoperante.

Por sorte (acho eu), setembro já acabou...

Depois de ficar mais de 24 horas (entre 14 e 15.08) sem banda larga, a qual continua caindo com frequência, fiquei sem computador da noite de quarta-feira, 04.09, até a tarde de quinta, 12.09, quando me foi devolvido pela assistência técnica com a notícia da perda de todos os meus arquivos, programas, senhas e "links". Nesse tempo, meu acesso à internet foi quase nulo - dificuldade que, obviamente, persiste até recuperar o que for possível das minhas cópias de segurança.

Lamento e peço desculpas pelo "apagão".

Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

Janeway Smithson estava naquele trabalho havia vinte e cinco anos e era estúpido o suficiente para se orgulhar disso.

Charles Bukowski, Factótum