TONHO DE PALU, O NASCIMENTO DE UM NOVO CRAQUE.
O futebol, se não é apaixonante está acima de todas as paixões. Em Santa Maria da Vitória, lá pelos anos sessenta, esta tese é verdadeira e fazia parte da tradição da nossa terra natal. Se não bastassem os prélios terríveis contra as seleções de Barreiras e Bom Jesus da Lapa, contrataram certa vez a seleção da cidade de Januária, que segundo as boas línguas, disputava uma divisão no campeonato mineiro.
A seleção de Januária havia chegado a nossa cidade no sábado e ficou hospedada no Hotel Alvorada e como lá tinha um rapaz jovem e loiro, que paquerava uma aluna do colégio interno de dona Rosa e o portão dos fundos era na nossa rua, quase de frente da casa de dona Mosinha (Mozina avó de Fernando.
Cigano era o nome do rapaz que tinha amizade com a gente ali da rua e do internato e que sempre estava na frente conversando e paquerando com as garotas internas. Ele nos deixava entrar pelos fundos do hotel pra ver os jogadores da forte seleção da terra da cachaça Januária batendo bola.
A nossa seleção sempre se reunia na sala de aula que ficava do lado da casa de Dona Lindaura, mãe de um dos craques do nosso time: Tutes. Acontece que neste domingo, como era de costume ficarmos ali observando os nossos craques trocarem de roupas e colocarem as estratégias do jogo no quadro negro, Joselito e eu, que parecíamos como calças e cuecas, preferimos ficar no portão do Hotel Alvorada para ver os negrões de Januária batendo bola, afinal de contas essa seleção era uma novidade para nós.
Confesso que ao ver o jeito daqueles jogadores batendo bola sem deixá-la cair no chão do quintal e a preleção (na época eu nem conhecia esta palavra) do homem que falava e gesticulava muito, provavelmente o treinador, senti que a nossa amarelinha, que jogaria de branco, teria sérios problemas no campo naquele domingo quente e nublado.
Simultaneamente vimos a nossa seleção cruzando a Rua Rui Barbosa entrando depois no beco de Celsino que dava acesso ao estádio indo para o campo na várzea do riacho, ao mesmo tempo a seleção da cidade de Januária deixava o Hotel Alvorada pelo portão dos fundos, também se dirigia para o Estádio Wilson Barros ali na várzea.
Seguindo a seleção de Januária até que ela adentrasse ao Estádio já lotado de torcedores que se aglomeravam ao redor do campo pois não existia o luxo das arquibancadas, Joselito e eu rumamos para a geral no barranco depois da rua do riacho, nos juntando com dezenas de torcedores privilegiados no alto, que não podiam pagar ingresso, como nós, por exemplo. O morro parecia uma verdadeira arquibancada, ou um camarote ao ar livre.
Como previsto, a partida estava sendo disputada pau a pau com os dois times jogando de igual para igual. Nossa seleção não se intimidou diante dos jogadores já habituados às disputas de divisões inferiores de Minas Gerais no futebol. O zero a zero parecia o resultado final daquela partida emocionante. De repente o juiz deu um pênalti para nós. Todos os medalhões se esquivaram de cobrar a penalidade máxima.
No meio desta disputa de quem não bateria a penalidade, um jovem jogador, de andar ligeiro, de uma habilidade invejável no trato com a bola, ao ver a indecisão e medo dos seus velhos ídolos em efetuar a cobrança do pênalti, pegou a bola, colocou a na marca da cal no cão de barro argiloso, bateu o pênalti com categoria, marcou o gol e os gritos no campo e no morro ecoaram por toda a várzea. Gol de Santa Maria, gol de Tonho de Palú. Frio, calculista, firme, até meio metido o garoto, não tomou conhecimento se o time de Januária jogava no campeonato mineiro, matou o goleiro com a quase paradinha e pimba.......
Nunca me esqueci daquela tarde de domingo. O gol era o dos portões de entrada. Portões de entrada? Só havia um portão de entrada e de saída. Isso quando a chuva não derrubava partes do muro criando novas entradas.
Era o gol que ficava próximo do riacho e da oficina de móveis da Casa União. Bom, o pênalti não sei se existiu ou não, ou se o nosso juiz foi caseiro. Mas Tonho de Palú, o novo craque da nossa seleção não tinha nada com isso e nem tomou conhecimento se foi ou não e mandou a capotão para o fundo das redes tirando o grito entalado das nossas gargantas: Santa Maria 1 X 0 Januária gol de Tonho de Palu, o novo craque que estava nascendo para a nossa seleção.
Espero que alguma testemunha ocular se lembre deste jogo, ou o próprio Tonho de Palú e os demais protagonistas desta partida, que aconteceu numa tarde de domingo com o tempo meio nublado, e se o pênalti de fato existiu ou não.
É o que há