A vida é assim
Início da noite, eu caminhava na direção de um supermercado, logo após aquela terrível chuva que causou tantos prejuízos à cidade e uma inacreditável morte por afogamento dentro de um ônibus em Ceilândia. Já com o guarda-chuva abaixado, eu me aproximei de um casal que estava parado na calçada, aparentemente conversando coisas em voz baixa. Deus é testemunha que, ao menos dessa vez, eu não fiz esforço algum para ouvir a conversa dos dois. É verdade que, depois de ter lido uma crônica do Ignácio de Loyola Brandão, eu comecei a prestar mais atenção nas frases que ouço na rua, tentando imaginar em que contexto estavam sendo ditas. Até anotei algumas que achei curiosas, como “Não sei o que fazer dessa caneca que ela quer” e “Aí eu perguntei se ela queria uma laranja ou estava me oferecendo uma laranja”. Mas no caso dessa casal aí sou inocente.
No momento que eu os ultrapassava, ouvi sem querer o homem sussurrar para a mulher: “Você precisa entender que infelizmente a vida é assim”. E então eu me dei conta que aquele casal estava tendo uma conversa difícil, e tão necessária que estava sendo feito no meio da calçada após uma violenta tempestade. Apesar das palavras, pareciam calmos e serenos. O homem tentava explicar alguma coisa que a mulher se recusava a aceitar. O que era natural, pois não há argumento mais difícil de aceitar do que “a vida é assim”. E, no entanto, por mais que se rebele e se lute contra, muitas vezes a vida é assim mesmo. Mas minha tendência natural é ficar ao lado de quem não se conforma, e por isso desejei que aquela mulher tivesse razão, que a sequência dos fatos mostrasse ao homem que ainda é possível esperar coisas diferentes da vida.
Não, não, a vida não precisa ser assim! - era o tom do discurso que eu esperava ouvir da mulher. Mas, fosse porque estava na rua, e eu ainda estava por perto, ou porque realmente havia se convencido de que não havia nada a se fazer, ela silenciou. E eu parei de me intrometer na vida alheia.