Fiquei sabendo...

Vou tratá-la por Dona...

Fiquei sabendo que em Juiz de Fora ela mora no bairro Linhares... Que tem cinco filhos, que o mais novo é o Aladim, que os filhos ficam ligando para saber onde ela está, mas que ela não passa um dia sem passear de ônibus. Aladim ainda não trabalha; a moça da família é professora de crianças e está com problemas com o namorado (a menina é um poço de ciúmes); o mais velho é vendedor de uma distribuidora de alimentos, e as vendas vão muito bem. Benza Deus.

Fiquei sabendo que o marido é técnico em agricultura, técnico prático, sem cursos, e que ela, lá onde moravam antes, dirigia pelas estradas sem habilitação e que um dia, quando viu a polícia rodoviária, desviou-se para uma trilha, parou o carro, deixou-o por lá e depois seguiu a pé, passando pelos guardas e os cumprimentando.

Fiquei sabendo que ela tem cinquenta e um anos, é diabética e está usando um adoçante que não deixa gosto algum. Então ela carrega na bolsa pacotinhos do produto e vai propagandeando, dizendo que é muito bom, que não é caro e vai explicando direitinho a farmácia onde se compra. Pergunto-lhe como reclamar caso compre e não goste... E Dona tem bom humor, e aponta para atendente: - Ela sabe meu telefone e endereço. Meu irmão, àquela altura me acompanhando, recebeu o presentinho, mas foi buscar melhores ares.

Fiquei sabendo que Deus recolheu sua mãe, aos setenta e seis anos de idade, vítima de acidente vascular cerebral hemorrágico. Fiquei sabendo que ela adorava a mãezinha e, quando se separaram, morando cada uma no seu canto, Dona esquentou-se muito, perto do fogão de lenha, depois foi tomar chuva forte, na esperança de contrair pneumonia e trazer a mãe para perto de si, mas a doença não veio. Uma pena, segundo ela.

Fiquei sabendo que Dona tem uma netinha, que ama a avozinha e liga muito para ela. Fiquei sabendo que Dona, como eu, estava ali para ser atendida na emergência, pois a conjuntivite a atacara e ela ainda tinha de melhorar brevemente, porque ainda acompanharia uma pessoa doente à noite. Poderia? Com conjuntivite? Pensei, quis indagar, mas não tive tempo, e os olhos me incomodavam. Dona falou mais um pouco, elogiou a dedicação do médico, olhou o relógio e viu que a espera já ia para mais de uma hora. Nossa! Não é normal. A secretária disse que o doutor estava no centro cirúrgico.

Dona se despediu, não houve tempo para perguntar-lhe o nome, e foi lá para perto do consultório, e foi atendida, enquanto eu esperei por mais meia hora, sozinho, sem saber da vida de ninguém.

Fico pensando que se Dona fosse celebridade, certamente não implicaria com os seus biógrafos e lhes forneceria muito material. De minha parte, fico aguardando por ela de novo, na fila de banco, no supermercado, no shopping center ou, quem sabe, simplesmente de repente... Dona não para...