As várzeas do futebol.

Acho que todos nós que gostamos de futebol temos os nossos momentos de saudades, até porque já alcançamos certa idade e os louvores da juventude são coisas que só mexem com os momentos de puro encanto. O futebol dos idos de 60 a 70 lembram as várzeas. Elas são coisas que permanecem como um pedaço de nossa história, afinal, são frutos que dão asas à imaginação porque significaram algo que nos atraia como elemento de nossa satisfação.

Lá em Amambai só tinha um campo. Só existia ele. Exuberante. Soberbo. Misterioso. Festivo. Era um local de encontros da meninada e da elite amambaiense. Cansei de ver o Milionário amambaiense jogar com equipes de gabarito tanto do Estado como do estrangeiro, especialmente equipes do vizinho Paraguai. Era ali que a maioria população amambaiense estava nas tardes de domingo. Era foguetório. Passeata. Barulheira para enfatizar a paixão por uma várzea quem nem sequer tinha nome. Chamavam-no de estádio municipal. Ali eu dei minhas primeiras ‘correrias’. Foi naquela várzea que adquiri o apelido de ‘Torinho’. Recebi essa denominação semovente porque eu desembestava pela direita, de cabeça baixa e atropelava quem estava pela frente. Só as várzeas eram capazes de produzir tanta imaginação.

Corri muito pelos campos arenosos e de terra bruta. Já viajei sob a insólita carreta de um trator, por quilômetros e mais quilômetros, para frequentar uma várzea rural. Era um local que reunia peões de fazendas. O campo significava a alegria da região. Dificilmente saia uma briga. Os jogadores rústicos batiam da canela pra cima, mas jamais davam uma rasteira por trás. Naquela região nunca se viu alguém deixar de trabalhar na segunda-feira porque foi vítima de uma entrada maldosa. As jogadas eram ríspidas e às vezes até truculentas, mas não brutas. Elas significavam apenas um encontrão entre corpos, mas jamais um carrinho visando atingir sem bola. Nas várzeas a gente via futebol disputado, mas jamais futebol mal intencionado.

A gente jogava nesses campos e não reclamava. Mas, no coração e na esperança de um futuro melhor nossas expectativas transpunham as deficiências do gramado. O pensamento voava longe, para um campo sem areia e sem terra. A gente sonhava com um bom gramado. Às vezes até alguém se arriscava em fincar traves num campo aberto imitando um campo de verdade. Assim, as várzeas também nos faziam sonhar. Elas encarnavam nossa vontade e nossa alegria, mas também se desenhavam como um caminho para a modernidade.

Foi assim, nesse sonho misturado com realidade que chegamos ao estágio de hoje. As areias e as terras vermelhas que sujaram nossas chuteiras e o ‘poeirão’ das várzeas é quem nos impulsionaram a chegar ao que somos hoje. Somos veteranos em fim de carreira, mas as experiências e as expectativas de se jogar numa várzea deu lugar aos planejamentos de ser grande. Fomos construindo nossa grandeza com a força de ter pisado a terra bruta.

Quem pisou o chão batido sempre terá a sensação de que um belo gramado é mais do que um campo de futebol, mas a satisfação de ter sido pequeno um dia para no porvir do próximo amanhecer pudesse correr sob a grama macia. Foi o que aconteceu. Já não é um sonho. É por isso que hoje somos possuidores de uma Arena Esportiva que é, em termos amadorísticos, uma das melhores de Campo Grande

Machadinho
Enviado por Machadinho em 14/10/2013
Reeditado em 14/10/2013
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