Vinicius, o velho Vina
 


                                      Mesmo o amor que                                         não compensa é melhor                                         que  solidão.

                                                Vinicius de Moraes


      Foi a de Iracema, a primeira praia que conheci. Fiquei boquiaberto, atônito, espantado e ao mesmo tempo encantado quando vi, diante de mim, ao alcance de minhas mãos, aquele marzão verdinho. Os "verdes mares bravios da minha terra natal", o Ceará.
     Nascido e criado nas brenhas do sertão cearense, até conhecer o Atlântico, meu mar era, nas suas raras cheias, o rio Jaguaribe, o maior rio do Ceará. 
     Nas prolongadas e repetidas estiagens que castigavam o nordeste, ele secava; ficava sem uma gota d´água no seu largo leito. Então o povo de minha cidade, por ele banhada (?), dizia que o Jaguaribe era o maior rio seco do mundo.
     Não passava, claro, de uma exagerada brincadeira. Ainda assim, havia gente que jurava ser essa estória rigorosamente verdadeira. Coisas do sertão, naquele tempo ainda muito ingênuo.

     Me mudei para a Bahia. E em Salvador, foi a de Itapuã, a primeira praia que conheci.
     Até então, dela eu só tinha notícia, através da canção do Caymmi.

          "Coqueiro de Itapuã, coqueiro
          Areia de Itapuã, areia
          Morena de Itapuã, morena
          Saudade de Itapuã, me deixa.

     Fique o leitor certo de uma coisa: ver a praia de Itapuã, não cansa; banhar-se na praia de Itapuã, é um privilégio; sentir a praia de Itapuã, é um presente de Deus, ou, se preferirem, de Iemanjá.
     Sua beleza e magia inspiram poetas; e os cronistas encontram nela tudo o que precisam para escrever doces prosas. 

     Não por acaso, um dos mais queridos poetas brasileiros, Vinicius de Moraes, escolheu Itapuã para morar e "viver um grande amor".
     Em Itapuã ele escreveu um poema, que, depois de musicado, passou a ser a letra de uma das mais belas canções da nossa boa música popular, Tarde em Itapuã.
     Catem comigo pelo menos estes versos:

          Um velho calção de banho
          O dia pra vadiar
          Um mar que não tem tamanho
          Um arco-íris no ar.
          Depois na praça Caymmi
          Numa esteira de vime
          Beber uma água de coco.
          É bom
          Passar uma tarde em Itapuã
          Ao sol que ardeem Itapuã
          Ouvindo o mar de Itapuã
          Falando de amor em Itapuã.

     Conheci pessoalmente o Poetinha no auge do golpe militar de 1964. Ele participou de uma noite de descontração na casa do saudoso penalista baiano, Professor Raul Chaves, defensor de dezenas de presos políticos.
     Seu escritório, que me acolhera desde meus primeiros passos na advocacia, naquele momento defendia a cantora Marília Medalha (Pressentimento) processada e perseguida pela ditadura, também presente àquele ousado e corajoso encontro.
     Bebendo seu uísquezinho, que dizia ser "o melhor amigo do homem", o velho Vina cantou e conversou com franciscana simplicidade, até quase o raiar da madrugada. Uma noite inesquecível!

     O Brasil está comemorando os 100 anos de nascimento do poeta da garota de Ipanema.
     Marcus Vinitius Mello Cruz de Moraes, nome de batismo, nasceu na Gávea, Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913.

     Morreu muito novo: 67 anos, no dia 9 de julho de 1980, na sua amada Cidade Maravilhosa.

     Com esta modesta crônica, quero me fazer presente nos festejos que estão marcando o centenário desse querido vate.
     Perguntando, ao mesmo tempo,  se pode morrer, dando-nos, portanto, um "Adeus!" definitivo, quem escreveu versos como estes:

          Amor, escuta um segredo
          Tua pele é lisa, lisa
          Minha palma que a analisa
          Não tem medo: fica nua.
               Fica de tal modo nua 
               Que eu, ante de tanto abandono
               Transforme o desejo em sono
               E não seja apenas teu.

                  É isso aí. Poetinha, saravá!



          
                              

                     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/10/2013
Reeditado em 05/12/2019
Código do texto: T4525112
Classificação de conteúdo: seguro