Aos cuidados de Clarice Lispector
Rio de Janeiro, 21 de abril de 1968
Prezada Clarice,
Como você está? Espero que esteja bem e, caso continue a ter insônia, que seja ao menos aquela feliz, em que você só escuta as ondas do mar batendo na praia, toma um café com gosto e aproveita a solidão, sem ninguém para lhe interromper o nada (embora eu ainda prefira que você não tenha insônia nenhuma).
Sou mais um dos leitores semanais de sua coluna no Jornal do Brasil. Honestamente, eu jamais teria me animado a escrever para você se não percebesse, através de suas crônicas, que você parece gostar desse contato com os seus leitores. Embora eu não esteja mandando junto nenhum buquê de rosas e também não me ofereça para preparar polvo cozido com arroz, peço que receba essa pequena carta como prova do carinho que lhe guardo.
Mas preciso confessar uma coisa: antes, eu não gostava muito de você. A gente nunca gosta daquilo que não entende. Eu ainda me atrapalho bastante tentando entender algumas coisas que você diz, mas acho que depois que você começou a escrever em jornal eu a compreendi melhor. Você escreve crônicas tão bonitas! Aliás, acho que você devia parar de se preocupar se isso que você escreve é crônica, coluna ou artigo. Fale com o Braga, aposto que ele vai concordar que são crônicas mesmo. Não precisa ser tão humilde a ponto de hesitar pertencer a um gênero que é a própria humildade da literatura.
Eu gostei tanto das crônicas que você escreveu sobre a sua infância no Recife! Fale mais sobre o Recife. Também gostei de conhecer mais sobre as suas empregadas. E os seus filhos? Aposto que tem muitas histórias com os seus filhos. Imagino que você talvez se preocupe um pouco com a exposição da sua intimidade na crônica. Mas poxa, isso a torna tão próxima de nós, tão viva, que é como se nós fizéssemos parte também da sua vida. Por isso tanto carinho dos leitores.
Desejo que seja feliz e tenha de si a medida exata de quem você é – e então, mande brasa.
Com carinho,
H. F