Imagem da criança que fui

Não sei se foi uma boa ideia essa de trocar as nossas fotos em redes sociais por outras do nosso tempo de criança, em homenagem ao dia de hoje. Digo isso por mim, que mal consegui me reconhecer na imagem da criança que fui. Não é o caso dos outros, em quem pude reconhecer nitidamente nas suas fotos os traços que persistiram à vida adulta. É curioso como muitos apenas envelheceram, preservando por toda a vida o mesmo olhar, a mesma expressão do tempo de criança. Quanto a mim, olho para a foto que escolhi e custo a acreditar que aquele ali tenha sido eu.

Tenho uns três ou quatro anos e estou sentado na cama dos meus pais. Sou loiro, terrivelmente loiro – eis aí o motivo mais visível para eu não me reconhecer. Estou sorrindo um sorriso gostoso, de boca aberta, enquanto olho levemente para a direita. Pareço bem comportado, e as mãos que acomodo sob o meu colo sugerem alguma contenção, apesar da alegria. Mas estou feliz, incrivelmente feliz, talvez como nunca estive depois disso. Passo uma imagem tão agradável que me dói não ser mais aquela criança e não sentir o que ela sente. Minha tia reforça a impressão: diz que eu era muito amável e carinhoso nessa época. O que teria acontecido no caminho?

Outra foto. Sou ainda menor e estou na casa dos meus avós sentado em uma grande cadeira de madeira. Ao meu lado, um gato malhado. No meu rosto, a face do medo. Havia me esquecido que um dia tive medo de gato. Estou chorando ou muito perto disso, pedindo com os olhos que alguém venha tirar aquele gato dali. O engraçado é que o gato não está nem um pouco interessado em mim, pois, virado para o outro lado, já prepara o salto que dará para fora da cadeira. A imagem captou o instante exato do meu horror.

De lá para cá tive muito outros medos, a maioria menos singelos, embora todos provoquem a mesma sensação de abandono. E talvez eu os tenha deixado crescer tanto que seja justamente por isso que a criança da primeira foto é hoje irreconhecível.