Linha 676

Hoje, presenciei um daqueles momentos em que, quando temos a infelicidade – ou, talvez, o contrário – de presenciar, ficamos nos perguntando qual o nosso sentimento diante de tal acontecimento. Indignação, pena, revolta. Acho que o predominante seja a impotência.

Vinha eu num ônibus da linha 676 do Centro de volta para casa (sim, moro na Zona Leste) quando, chegando à Alameda Cosme Ferreira, uma senhora aparentemente digna de respeito – por seus trajes e cabelos referentes à religião evangélica – subiu no ônibus acompanhada de seus dois filhos: um menino e uma menina, ambos com idade entre 6 e 7 anos, aparente e respectivamente. Não demorou muito para eu notar, assim como todos que estavam perto das crianças, que elas não eram um casal de irmãos convencional. A mãe, sentada no meio do ônibus, mandou os filhos sentarem. Foram os filhos sentar dois assentos antes do que eu estava sentado lendo "Feliz Por Nada", um livro de crônicas de Martha Medeiros. Não mais consegui ler com aquelas companhias.

Eram duas crianças dentro de um ônibus se digladiando. Tapas, mordidas, socos e pontapés a todo minuto, com o barulho da violência "inocente" camuflado com as risadas de ambos. Durante um curto período de tempo, achei até normal. Qual o casal de irmãos de nunca brigou durante a infância? Mas, a partir de então, percebi que algo estava errado. Elas viviam assim. Elas cresceram assim. Os tapas, as mordidas, os socos e os pontapés fizeram parte da criação daquelas crianças. A mãe, que me perdoe, parecia não ter parido ser nenhum. Estava lá, sentada, olhando pela janela como se nada estivesse acontecendo. Revoltante! Dois irmãos na maior algazarra violenta e a mãe sem tomar uma providência dentro de um ônibus coletivo? Inadmissível!

Pois bem. Éramos eu, a cobradora do ônibus e mais as outras pessoas que estavam próximas aos meninos, mas o que fazer? Chamar a atenção da mãe para aquilo que estava acontecendo? Até que ponto poderíamos responsabilizá-la pela criação de seus próprios filhos? Sim, o sentimento de impotência predominou. Não temos o direito de dizer para uma mãe como ela deve criar seus filhos, ainda mais em público. Não sabemos suas condições, suas batalhas diárias para criá-los ou como foi a sua própria criação. Talvez seja esse o motivo pela qual os filhos pareciam animais: ela, a mãe, tinha sido criada assim.

Às vezes, somos surpreendidos por esses momentos. É natural não sabermos como lidar com as pessoas, com os fatos, com o cotidiano. Eu, por exemplo, fiquei com vontade de perguntar àquela mulher se ela não estava vendo o que estava bem diante dos olhos seus olhos. O filho, muito provavelmente, tornar-se-á um espancador de mulheres quando adulto; a filha, uma mulher submissa, dessas que apanham caladas, a vergonha de qualquer feminista que luta pelos seus direitos perante à sociedade – Maria da Penha que o diga!

O que eu realmente fiz? Levantei, encarei aquela mulher com a indignação em meus olhos e fui para o final do ônibus torcer para que eu chegasse logo no meu ponto de descida. Se fui covarde por não ter abordado a mãe daqueles garotos, eu não sei. Se fui, uma dúzia de pessoas também foram. Mas, afinal, a questão não é esta. A questão é que "não há prêmio ou punição na vida, apenas consequências" (Martha Medeiros).

(Manaus, 07 de junho de 2013)

Diego Antônio
Enviado por Diego Antônio em 13/10/2013
Reeditado em 13/10/2013
Código do texto: T4523941
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