PARANOIA NA VIAGEM
E vamos nós a Salvador. Eu estava feliz por levar a família pela primeira vez a capital da Bahia. Era minha arguição de mestrado e resolvi levar meu esposo e minha filha para relaxar e eu ficar mais tranquila na hora da prova. Mas no meio do caminho havia uma pedra... Ou melhor, havia pneus, paus secos queimando e paralisando o trânsito.
No primeiro olhar sobre a situação, com toda aquela fumaceira, ambulância passando, foi a de um acidente. Precisamente às cinco da manhã eu presenciei a cena. Fiquei apreensiva e comecei a rezar pensando nos supostos envolvidos. O tempo foi passando e o congestionamento aumentando. Ponderei que se fosse realmente um acidente já teriam liberado. Mais de uma hora e nada, apenas aquela fumaceira. Desconfiei que não havia acidente algum. Observei pelas janelas do ônibus uma cena curiosa: meninos e meninas subindo o morro, pegando galhos e árvores, e do outro lado, pessoas da comunidade passavam com pneus e paus secos num carrinho de mão. Gente! O que está acontecendo? Silêncio. Todos dormindo.
Mais tarde, muito mais tarde, os passageiros foram acordando, olhos preguiçosos, e perguntaram: o que está acontecendo? Olhos curiosos pelas janelas. Mas ninguém tinha respostas, até que o motorista veio dar satisfação. Era um protesto. Estávamos na comunidade de Menino Jesus, distrito de Candeias. As pessoas da comunidade estavam reivindicando um posto de saúde. Graças a Deus! São pessoas boas que estão reivindicando melhores condições de vida. Pensei. Não há motivo para pânico. Respirei aliviada.
Mas, com o passar dos minutos, das horas, a tensão aumentou. Os adolescentes passando para lá e para cá, decidindo quem passava e quem ficava detido. Passavam ambulância, médicos, desde que provassem serem médicos, e pessoas doentes.
As imagens de vândalos depredando ônibus vieram me atormentar. Fiquei com medo de depredarem o ônibus ou queimá-lo com a gente dentro. Um arrepio passou pela minha espinha chegando até a nuca. Olhei para minha filha no colo dormindo tranquilamente. Meu esposo dormindo, o medo aumentando e duas lágrimas caindo. Minha família estava em perigo. Comecei a rezar: meu São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate. Sagrado Coração de Jesus, Providenciai. Espirito Santo, vá inspirando, acalmando as pessoas e direcionando esta situação para o bem de todos os envolvidos.
Você já se viu numa situação de perigo iminente em que as orações parecem não acalmar? E Deus parece surdo! Pois é. O coração acelera, gela. O corpo parece dormente e você promete um monte de coisas absurdas a Deus se Ele te livrar mais essa.
O tempo foi passando e o medo criando formas: vândalos mascarados com paus, canivetes. Chega! Disse para a minha mente. É hora de rezar de novo, preencher a mente com pensamentos positivos.
Mais tarde começamos a descer do ônibus para ver o que estava acontecendo. Mara Adélia acordou e fomos comprar água. As pessoas da comunidade eram gente “normal” e eu fui me tranquilizando. Vi o carro da prefeitura, o da secretaria do meio ambiente, o carro da polícia... Que bom! Uma fila enorme de carros parados nas duas direções. Uma passageira estava com um desses aparelhos modernos que sintonizava canais de TV e a informação foi surpreendente: quarenta mil carros parados, segundo um noticiário de TV. Logicamente a situação estava perto de ser resolvida uma vez que a TV estava cobrindo o “evento”. Pensei.
No entanto, o protesto foi adquirindo uma proporção maior. Já não se sabia quem era o líder e porque estavam protestando. Compramos água, salgadinho... Depois a fome bateu de verdade, mas o prato de comida era pequeno pela quantidade que estavam cobrando. Vamos combinar que há pessoas que sabem aproveitar a oportunidade para ganhar dinheiro. Resolvemos não comprar o almoço e o estômago recebeu lanche, sucos, chocolate, pirulitos, doces, refrigerante e Maria Adélia adorou este almoço diferente e nem esperança do trânsito ser liberado. Foi chegando informações de que não havia previsão de liberação. No ônibus havia crianças, pessoa com entrevista de emprego marcada, prova de mestrado, idoso diabético, professores também com aula marcada... E o trânsito continuava parado.
À medida que o tempo passava a ansiedade de querer sair daquela situação aumentava tanto ao ponto de as pessoas detidas discutirem sobre o que fazer para resolver o impasse. A situação ficou tensa. Adolescentes, crianças e adultos corriam de um lado para outro acenando, dando ordens e a quantidade de paus, pneus iam aumentando.
E agora, Senhor? O que podemos fazer? O que está em nosso alcance? Não vamos sair mais daqui. À medida que o tempo passava a angustia ia chegando e o medo aumentando, no entanto, graças a Deus, Maria Adélia se divertindo e fazendo amizade com os passageiros alheia à situação. Aliás, parecia que a única aflita era eu. As pessoas agiam normalmente. Enquanto eu ficava tremendo por dentro. Meu Deus!? As pessoas aqui não tem noção de perigo! Ficaremos aqui durante a noite? O que vai acontecer? A que perigos estaremos expostos?
Quanto mais eu pensava, mais aflita eu ficava, e para essas coisas minha mente é muito fértil.
Um passageiro descia e trazia “as novas”: Está prevista a liberação do trânsito para dez horas. No horário combinado descia outro passageiro, outras novas: só ao meio dia. Mais um descia: só às cinco da tarde. Um professor resolveu descer e conversar com os policiais. Novidade: eles disseram que estavam lá para proteger os manifestantes. Perfeito! E quem protege a gente? Resposta: vocês tem que se articular.
Os manifestantes têm direito de protestar e a gente tem o dever de esperar? Eu não estava entendendo nada.
Passaram longas horas e nos sentimos abandonados pelo sistema. As pessoas com direito de fazer protestos e nós com o dever de esperar, mesmo tendo crianças, compromissos, idosos, doentes. Onde estavam os nossos direitos de ir e vir? Sumiram na fumaça. Nossos direitos estavam sendo infringidos. De muito insistir, e a televisão filmar, a equipe que os manifestantes queriam conversar chegaram ao meio dia e meia. O trânsito finalmente foi liberado e Maria Adélia gritou: ALELUIA e todos caíram na gargalhada e chegamos a Salvador são e salvos com sete horas de atraso. Resultado: não quero mais viajar.
Obs.: Eu passei na arguição de mestrado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Isso quer dizer que vou viajar muitas vezes...
Luzineide Ribeiro da Silva, 13 de outubro de 2013.